O Rio de Janeiro era a capital federal na época em que a Aéropostale foi expandida para a América do Sul. Naturalmente, era a cidade onde os grandes acontecimentos se passavam. E foi o berço da aviação brasileira.
Assim, a única estrutura que existia para se aprender a voar estava no Rio. No Campo dos Afonsos (onde hoje funcionam inclusive a Universidade da Força Aérea e o Museu Aeroespacial) estava presente, desde 1919, a Missão Militar Francesa de Aviação. Tratava-se de uma missão contratada pelos militares brasileiros para que os oficiais que desejassem aprender a pilotar pudessem ter aulas com os militares franceses. O material também era de origem francesa.
Foi do Campo dos Afonsos, pois, que a primeira missão enviada por Pierre Georges Latécoère (criador da linha de correio aéreo na França – Toulouse - em 1918) partiu para o sul do Brasil, no dia 14 de janeiro de 1925, com três aviões Breguet XIV. Os pilotos e mecânicos iam fazer um raide até Buenos Aires para averiguar as condições de implantar-se o correio aéreo no Brasil.
Foi com eles Etienne Lafay, piloto militar que pertencia à Missão Francesa de Aviação. Ele pilotou um dos Breguet XIV e seu conhecimento do país foi de grande valia para os colegas da Latécoère.
A missão rumo ao norte do Brasil também partiu do Campo dos Afonsos. Autoridades cariocas não faltaram para saudar os pilotos e encorajar as iniciativas. O jornal A Noite, aliás, desde 1912 vinha incentivando as aventuras aéreas. A vinda da missão de Latécoère sinalizava para a implantação definitiva de uma aviação comercial regular.
Mas a mais extraordinária de todas essas lembranças continua sendo a da chegada ao Rio. Vista do solo, é uma cidade que pode parecer desordenada. Mas contemplada do céu, dir-se-ia que ela era livre de qualquer defeito, como se o afastamento nos deixasse ver o esplendor do lugar, a curva de suas praias, a linha irregular das montanhas cobertas de verde que a contornam e as linhas retas das grandes avenidas.
Durante todo o ano em que eu fui mecânico navegante, pude gozar desse incrível panorama em todas as horas do dia, sob as luzes e os céus mais variados: jamais me cansei”.
Marcel Moré, do livro J’ai vécu l’aventure de l’Aéropostale, 1980.
No terreno militar dos Afonsos, nós dispúnhamos de um hangar e de duas construções: oficina e armazém. Prevendo que seria necessário um dia deixar esse terreno militar, a empresa Bouilloux-Lafont tencionava a preparação de um outro terreno”.
(...) o curioso e difícil local de Jacarepaguá. Situado numa ilha no meio de pântanos, no sul da aglomeração, primeiro se chegava lá por estrada normal, depois numa trilha sobre a qual haviam construído um sistema Decauville e, enfim, com barco a remo ou aerobarco de fundo grande o suficiente para transportar rapidamente funcionários e o correio”
Do livro Tout pour la Ligne de Raymond Vanier, 1960
Nos dias de hoje, Jacarepaguá é um importante aeroporto no Rio de Janeiro, desde 2008 designado “Aeroporto Roberto Marinho”, consagrado sobretudo a voos executivos e situado num dos bairros mais prestigiosos da cidade, a Barra da Tijuca. As pistas foram desvendadas pelos pilotos da Aéropostale.
Pela importância do Rio de Janeiro à época, vários pilotos e mecânicos residiram na cidade. Um deles, Marcel Reine, descobriu a região serrana e se encantou com os ares de Petrópolis e arredores, cujo clima comparou ao de seu país natal.
Reine comprou ali uma grande fazenda. O lugar ficava no meio da floresta em Itaipava. Havia uma casa simples, onde Reine ia para descansar e levava, naturalmente, seus camaradas. Com Mermoz, ele fazia longas cavalgadas, mas foi a presença de Saint-Exupéry que deixou ao lugar uma notável herança...
Quando o piloto Marcel Reine deixou definitivamente o Brasil, vendeu suas terras. O filho do novo proprietário, José Augusto Wanderley, mantém o local como um reduto de memória e já aberto à visitação. Ele preservou o nome que lhe dera Reine, “La Grande Vallée”, e homenageou o mais célebre dos pilotos que por lá esteve, Saint-Exupéry, fazendo da casa um local temático do Pequeno Príncipe, obra célebre do piloto-aviador. O sítio faz parte do roteiro turístico de Petrópolis.
À frente da propriedade encontram-se a fonte do Pequeno Príncipe e a Praça Antoine de Saint-Exupéry.
Era nas montanhas do interior (Itaipava), uma propriedade imensa com vales, colinas selva e que Reine havia adquirido por alguns milhares de francos. Ele ali repousava às vezes de seus voos (...).
Mermoz e Reine andavam a cavalo pela fazenda, que Reine, aliás, nunca conseguiu explorar completamente.
Eu passei um dia nessa espécie de éden primitivo. Fazia três anos que Reine estrava fazendo a Cordilheira (dos Andes). Os cavalos que ele montara com Mermoz haviam retornado ao estado selvagem”.
Do livro Mermoz de Joseph Kessel, 1938.
Não lhes descreverei o Rio de Janeiro ao pôr do sol. (...) O que o avião ensina de essencial ao homem que faz dele seu ofício não se substitui por uma coleção de cartões postais nem por um manual técnico”.
Do livro Le pilote de Saint-Exupéry, 2007