A chamada escala de Florianópolis, o bairro do Campeche, onde só havia, à época, ranchos de pescadores e agricultores e a região era completamente agreste, era escala de apoio. Ainda assim, todo o equipamento estava ali: hangar, casa de pilotos, casa de rádio e um grande aeródromo. Restam intactos o terreno do aeródromo e a casa de pilotos, dita “popote” pela população local.
Em todos os locais, a Aéropostale fez lenda. Mas não apenas por ter-se tratado dos primórdios da aviação, o que por si mesmo já era bastante. No caso das escalas brasileiras, a memória da companhia se fez sobretudo pela presença indelével do piloto-escritor Antoine de Saint-Exupéry. Como os demais, Saint-Exupéry – à época ainda não era um escritor célebre – esteve de passagem nessas escalas no curto período em que operou na América do Sul (1929-1930). Mas seu temperamento afável e tímido, sua vocação inata para o entendimento e as relações humanas faziam dele um homem memorável. No Campeche, como noutras escalas, foi a figura mais marcante e que, sem sombra de dúvida, perpetuou a memória da Aéropostale. A tal ponto que hoje, onde se situa ainda a casa de pilotos, a principal avenida do bairro, designa-se “Pequeno Príncipe”. Outras influências existem: imóvel batizado “Latécoère”, rua d “Aviação Francesa” e “Saint-Exupéry”.
A memória popular, sobretudo dos pescadores, entre eles o Sr. Manuel Rafael Inácio, conhecido como Seu Deca, fez de Saint-Exupéry um ícone imortal no Campeche e em Florianópolis. Os depoimentos de descendentes dos ilhéus que conheceram pilotos e mecânicos coadunam com os parcos documentos que se tem da passagem destes por Santa Catarina e mesmo pela costa brasileira. O fato de Saint-Exupéry ter-se tornado um mito e um dos escritores mais lidos do mundo fez com que algumas pessoas se tornassem incrédulas sobre sua presença num local remoto como o Campeche. Bastaria, entretanto, lembrar-se que o mesmo piloto viveu dois anos no deserto do Saara e se comunicava plenamente com os mouros.
De todo modo, o mais comovente depoimento sobre a escala do Campeche é certamente o do piloto Paul Vachet, que comprou a área e a preparou como, aliás, fez em toda a costa do Brasil. Vachet relatou em seu livro “Avant les jets” (1964) que comprou o terreno em várias parcelas de humildes pescadores cujos casamentos não eram legalizados. Para legalizá-los, ele mesmo trouxe um juiz de paz ao Campeche. Durante toda uma tarde, as uniões foram celebradas. Ele e sua esposa, Lydie Vachet, foram convocados para padrinhos e, desde então, passaram a ser tratados como “compadre” e “comadre” pelos novos amigos…
Prova irrefutável da hospitalidade dos ilhéus e da convivência entre pilotos franceses e moradores locais, o depoimento de Vachet marca definitivamente o início de uma história franco-brasileira. O bairro do Campeche construiu-se sobre a memória da aviação e pretende preservá-la.
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Aeroplace de Florianópolis
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Gentilmente cedido pelo Musée Air France (Paris) à Presidente da AMAB