Na paradisíaca Ilha brasileira Fernando de Noronha, também foi estabelecida uma escala da Aéropostale. Já em 1927, ali puseram os pés os pilotos Paul Vachet e Pierre Deley para prospectar uma futura instalação.
No entanto, Noronha será mais citada a partir da travessia feita pelo Arc-en-ciel, avião terrestre pilotado por Mermoz, pela Air France em 1933.
Antes de voltar ao Rio nos primeiros dias de agosto (1927), embarcamos, Deley e eu, num pequeno barco com destino à ilha de Fernando de Noronha, situada a cerca de 400 km ao nordeste de Recife, bem em nossa futura rota transatlântica. Essa ilha servia de alternância aos cabos submarinos francês e italiano. Ela era principalmente a sede de uma prisão brasileira, contando centenas de prisioneiros galés [condenados a trabalhos forçados]. Nossa missão teve por finalidade garantir um terreno sobre o qual seria edificada uma base de hidraviões e uma potente estação de TSF (transmissão sem fio). Devíamos também tentar procurar um local conveniente para a construção de um aeródromo terrestre”.
Paul Vachet, do livro Avant les Jets, 1954
Concebida então como base de hidraviões, a escala de Fernando de Noronha foi também importante posto de rádio para as comunicações entre aviões e os navios avisos que transportavam o correio. A escala situava-se no ponto de encontro entre o mar de dentro, calmo, e o mar de fora, agitado. Até os dias de hoje, um imóvel remanescente é guardião da memória da Aéropostale. No local hoje chamado “Ponto Air France”, foi restaurado pela própria “herdeira” da Aéropostale desde 1933, ou seja, a Companhia Air France, em 1980. É um espaço cultural que abriga a Associação de Artesãos e Artistas Plásticos.
A escala de Noronha possuía, como as demais, casa de pilotos, de rádio e antenas de transmissão, além de pista de pouso. Os mais conhecidos radiotelegrafistas que ali trabalharam foram Frédéric Paul Couilbau – George Lacoste.
A pesquisadora e escritora Marieta Borges, autora do livro Fernando de Noronha: cinco séculos e história (2013), sobrevoou em 1988, num pequeno avião, a escala de outrora, acompanhada do jornalista e historiador da Aéropostale Jean-Gérard Fleury, que à época trabalhava em Recife.
Em abril de 1930, eu precisei ir à Ilha Fernando de Noronha, onde possuíamos um importante posto de radiotelegrafia garantindo as ligações com Paria, em Cabo Verde, bem como com o Brasil e a Argentina.
(...)
Mesmo que os chefes desses postos e os engenheiros fossem franceses, os operadores eram brasileiros e a ligação constante e regular que eles garantiam, tanto de dia como à noite, entre Toulouse e Buenos Aires, permitia, na falta de outras informações meteorológicas, conhecer o estado do céu nas escalas de destino. Ela servia também para a transmissão de ordens e o controle do andamento do correio.”
Raymond Vanier, do livro Tout pour la Ligne, 1960
Um filme francês com elenco franco-brasileiro pôs em cena a antiga convivência entre as duas nacionalidades no posto radiotelegráfico de Fernando de Noronha. Trata-se de “S.O.S. Noronha”, de Georges Rouquié. De 1957, realizado na Córsega, o filme, baseado em fatos reais, trata de uma rebelião dos presidiários da ilha que ameaçam o posto francês em 1930. Um dos atores brasileiros foi o famoso José Lewgoy, ao lado do célebre ator francês Jean Marais.
Em matéria da antiga revista Manchete, escrita por Décio Vieira Ottoni, estão disponíveis essas informações.
Em 1934, tentando retornar de Natal para a África, Mermoz não consegue porque o terreno de Natal estava encharcado. O piloto decide tentar a partir de Fernando de Noronha, mas “atolou” ao pousar...
A pintura do L’Arc-en-ciel desapareceu sob a camada de lama líquida e o pobre do nosso avião ficou realmente uma triste figura. (...)
Fernando de Noronha sendo uma prisão brasileira do Estado de Pernambuco, obtivemos do diretor da penitenciária que 200 detentos ficassem à nossa disposição.
Obviamente, nós éramos a grande atração, e os presidiários trabalharam com bastante empenho”.
Jean Mermoz, do livro Mes Vols, 1957
Em Villa Cisneros (África), decidi partir de volta com o próximo correio. De fato, uma missão brasileira me espera em Natal para ir comigo à Ilha Fernando de Noronha e estudar as possibilidades de uma pista de decolagem transatlântica. Partiremos novamente em cinco dias”.
(Jean Mermoz, Mes Vols, 1937)
O L’Arc-en-ciel partiu para a sua sétima travessia [de Porto Praia, Cabo verde, para Natal.
Jean Mermoz, do livro Mes Vols, 1957
No mesmo dia, às 10 horas da noite, embarcamos, Guillaumet e eu, com a missão brasileira e o representante da Air France, para Fernando de Noronha”.
Antes de haver a escala da Aéropostale e depois Air France, o sistema de comunicação a partir de Fernando de Noronha era notável. Em 1914, os franceses, tendo sub-rogado a antiga estação de cabos submarinos ingleses, criaram a Compagnie des Cables Sud-Américains, que se comunicava com Dacar.
Mas tampouco aquela era a primeira presença francesa na ilha; desde os primórdios da colonização, passaram navegantes e até mesmo o pintor Jean-Baptiste Debret, no século XIX, que pintou o Morro do Pico. Uma tentativa de colonização francesa também ocorreu entre 1734 e 1736, mas malograda. A verdadeira presença ficou por conta da Aéropostale-Air France.
São muitas razões de reconhecer-se, nos franceses, o povo mais presente na história de Fernando de Noronha, em todos os tempos. E as marcas deixadas, na identificação de alguns lugares no arquipélago – Air France/Morro do Francês – tornam essa presença ainda mais forte e inesquecível”.
Marieta Borges, no livro Fernando de Noronha, Cinco Séculos de História, 2013