Exposição

Pelotas

A última ou a primeira

Mapa Aéroplace Pelotas. Acervo: Musée Air France

#01

A escala da Aéropostale em Pelotas, no extremo sul do Brasil, foi a primeira a ser inaugurada pela companhia, conforme atestam algumas matérias jornalísticas da época, ou seja, abril-maio de 1928. Estruturada com hangar, casa de rádio, casa de pilotos e antenas, além de terreno de pouso, a escala teve por residente o mecânico Marcel Moré.

Vista aérea do campo de pouso de Pelotas-RS. Fonte: Revista ICARE, 1968
Antigo mapa da localização do terreno de Pelotas. Acervo: Fondation Latécoère

#02

Prossegui então minha viagem de navio e, em Pelotas, o Estado do Rio Grande do Sul, eu encontrei um terreno que pertencia ao Município, que me fez uma cessão gratuita por 25 anos; este terreno ia se tornar mais tarde uma escala regular da Linha” (1927).

Paul Vachet, do livro Avant les Jets, 1964
O campo de pouso de Pelotas inundado. Acervo: Fondation Latécoère

#03

Pouco resta do antigo aeródromo de Pelotas atualmente. Pesquisadores locais referenciaram, na fachada de uma igreja evangélica, os vestígios da antiga casa de rádio da empresa aérea. A região, por ser culturalmente marcante desde então, tem a característica de ser o local onde houve a maior imigração francesa do Brasil. Hoje, ainda existe, próximo à capital, uma comunidade em torno do “Museu da Etnia Francesa”. Assim, há memória de descendentes de pelotenses que viveram a aventura.

Fachada que restou da antiga casa de rádio da Aéropostale em Pelotas. Acervo: AMAB
Museu da Etnia Francesa, em Pelotas na atualidade. Acervo: AMAB
Museu da Etnia Francesa, em Pelotas, 1949. Acervo: AMAB

#04

Sou pelotense. Meu pai, Antônio Ernani Pinto da Silva, foi, em Pelotas, o primeiro funcionário brasileiro a trabalhar, quando estudante, na Latecoère. Era 1929 e meu pai tinha, então, 18 anos de idade. Eles (os pilotos) usavam carros “de aluguel” (os táxis de hoje). Saint-Exupéry gostava muito de ficar em Pelotas e eles iam juntos aos famosos cabarés que existiam à época – Pelotas fazia parte do roteiro obrigatório das companhias de teatro estrangeiras e havia cabarés muito finos. Meu pai não pagava a conta porque ele é que levava o piloto. Eles se tornaram muito amigos e meu pai sentia-se muito orgulhoso disto. Eu me criei ouvindo estas histórias, sempre repetidas. Tenho saudades delas.”

Entrevista com Felipe Tavares. Acervo: AMAB
Vestígios da antiga casa de rádio em Pelotas. Acervo: AMAB
Vestígios da antiga casa de rádio em Pelotas. Acervo: AMAB

#05

(...) fui nomeado chefe de escala (dizíamos também, na época, “chef d’aéroplace), em Pelotas, em janeiro de 1929. Aos 26 anos, eu estava muito orgulhoso, pode-se bem imaginar, ao me ver confiar tamanha responsabilidade (...)

Pelotas fazia figura de pequena capital regional e o aeródromo criado pela Aéropostale era motivo de orgulho para os habitantes.

Além disso, eu mesmo era responsável pelo transporte, até o escritório do correio na cidade, do correio destinado a Pelotas”.

Marcel Moré, do livro J’ai vécu l’épopée de l’Aéropostale, 1980
O responsável pela agência de Pelotas. Acervo: AMAB
O endereço da agência de Pelotas. Acervo: AMAB

#06

Estávamos em excelentes termos com a população de Pelotas e a das redondezas, para quem o aeroporto tinha um papel de atração, uma verdadeira curiosidade. Vários cidadãos de Pelotas eram imigrantes de data recente – havia um francês, um belga, um suíço exatamente – e eles gostavam de poder vir conversar com a gente. As autoridades locais frequentemente nos facilitavam a tarefa quando algum problema administrativo ocorria e nós lhes oferecíamos, em troca, batismos do ar. Um outro serviço eminente para nós era oferecido pelos pastores da região, que eu convidada com a maior frequência possível para vir me ver em companhia de seus carneiros: nada capina melhor a grama nem equaliza melhor um terreno do que a passagem de uma centena de carneiros!"

Marcel Moré, do livro J’ai vécu l’épopée de l’Aéropostale, 1980
Vestígio da antiga caixa d’água do campo de pouso de Pelotas. Acervo: AMAB
O campo de pouso de Pelotas, 1930. Acervo: Fondation Latécoère

#07

A cada 15 minutos, eu passava a Saint-Ex as informações meteorológicas que me dava Pelotas, repetindo-nos ‘céu puro’, sem que isso parecesse interessá-lo ou perturbá-lo. (...) Imperturbável, Saint-Ex fumava seu cachimbo, e eu via, de tempos em tempos, que ele desenhava algumas linhas no seu bloquinho. Decidi enfim escrever-lhe um bilhete: ‘Pelotas confirma céu puro, e nós estamos sobrevoando essa nuvem sem fim, nenhuma dúvida de que desviamos muito para o mar, o ângulo do sol em nossa rota o indica claramente. Vire 90 graus à esquerda. Só temos mais uma hora de gasolina”.

Paul-Henri Dissac, do livro Un Pionnier sans importance, 2012
O radiotelegrafisca Soluasl. Acervo: Fondation Latécoère

#08

Tudo isso me fez lembrar do relato de minha mãe, Marina Corrêa de Souza Otero (1911-2003), que a meu ver pode confirmar a passagem de Saint-Exupéry em Pelotas. Num dia em que comentávamos sobre um de seus livros, ela me disse que tinha um amigo francês e este falava muito num piloto chamado Mermoz, com quem tinha amizade também. Isso deve ter sido lá por 1930 ou 1931, época em que minha mãe era mocinha e ainda não namorava meu pai. Um dia o amigo francês contou que um grande amigo do Mermoz, também piloto, tinha tido um problema no avião e aterrissou em Pelotas e lá ficaria até que o avião fosse consertado. Então ele perguntou se poderia leva-lo à casa de minha avó. Minha mãe concordou e lá surgiram os dois, o amigo francês que morava em Pelotas e o amigo de Mermoz”.

Entrevista com Carmen Cynira, 2014. Acervo: AMAB
O piloto Jean Mermoz. Acervo: Fondation Latécoère

#09

Vindo de Buenos Aires, Saint-Exupéry aterrissou um dia em Pelotas, no comando de um Laté-28. Só devia fazer conosco uma escala técnica antes de partir para o Rio de Janeiro. Os mecânicos da pista encheram o tanque e fizeram as verificações enquanto trocávamos informações; sempre preocupado com o bom funcionamento da Linha, Saint-Exupéry queria saber se tudo estava bem em Pelotas e se eu não tinha nada a demandar”.

Marcel Moré, do livro J’ai vécu l’épopée de l’Aéropostale, 1980
Saint-Exupéry. Acervo: Succession Saint-Exupéry
Marcel Moré (atrás) e o piloto Thomas, no campo de Pelotas. Fonte: livro “J’ai vécu l’épopée de l’Aéropostale”, de Marcel Moré, 1980.
Marcel Moré de carro diante de um Laté 25 pousado em Pelotas com o correio. Fonte: livro “J’ai vécu l’épopée de l’Aéropostale”, de Marcel Moré, 1980.