A escala da Aéropostale em Pelotas, no extremo sul do Brasil, foi a primeira a ser inaugurada pela companhia, conforme atestam algumas matérias jornalísticas da época, ou seja, abril-maio de 1928. Estruturada com hangar, casa de rádio, casa de pilotos e antenas, além de terreno de pouso, a escala teve por residente o mecânico Marcel Moré.
Prossegui então minha viagem de navio e, em Pelotas, o Estado do Rio Grande do Sul, eu encontrei um terreno que pertencia ao Município, que me fez uma cessão gratuita por 25 anos; este terreno ia se tornar mais tarde uma escala regular da Linha” (1927).
Paul Vachet, do livro Avant les Jets, 1964
Pouco resta do antigo aeródromo de Pelotas atualmente. Pesquisadores locais referenciaram, na fachada de uma igreja evangélica, os vestígios da antiga casa de rádio da empresa aérea. A região, por ser culturalmente marcante desde então, tem a característica de ser o local onde houve a maior imigração francesa do Brasil. Hoje, ainda existe, próximo à capital, uma comunidade em torno do “Museu da Etnia Francesa”. Assim, há memória de descendentes de pelotenses que viveram a aventura.
Sou pelotense. Meu pai, Antônio Ernani Pinto da Silva, foi, em Pelotas, o primeiro funcionário brasileiro a trabalhar, quando estudante, na Latecoère. Era 1929 e meu pai tinha, então, 18 anos de idade. Eles (os pilotos) usavam carros “de aluguel” (os táxis de hoje). Saint-Exupéry gostava muito de ficar em Pelotas e eles iam juntos aos famosos cabarés que existiam à época – Pelotas fazia parte do roteiro obrigatório das companhias de teatro estrangeiras e havia cabarés muito finos. Meu pai não pagava a conta porque ele é que levava o piloto. Eles se tornaram muito amigos e meu pai sentia-se muito orgulhoso disto. Eu me criei ouvindo estas histórias, sempre repetidas. Tenho saudades delas.”
Entrevista com Felipe Tavares. Acervo: AMAB
(...) fui nomeado chefe de escala (dizíamos também, na época, “chef d’aéroplace), em Pelotas, em janeiro de 1929. Aos 26 anos, eu estava muito orgulhoso, pode-se bem imaginar, ao me ver confiar tamanha responsabilidade (...)
Pelotas fazia figura de pequena capital regional e o aeródromo criado pela Aéropostale era motivo de orgulho para os habitantes.
Além disso, eu mesmo era responsável pelo transporte, até o escritório do correio na cidade, do correio destinado a Pelotas”.
Marcel Moré, do livro J’ai vécu l’épopée de l’Aéropostale, 1980
Estávamos em excelentes termos com a população de Pelotas e a das redondezas, para quem o aeroporto tinha um papel de atração, uma verdadeira curiosidade. Vários cidadãos de Pelotas eram imigrantes de data recente – havia um francês, um belga, um suíço exatamente – e eles gostavam de poder vir conversar com a gente. As autoridades locais frequentemente nos facilitavam a tarefa quando algum problema administrativo ocorria e nós lhes oferecíamos, em troca, batismos do ar. Um outro serviço eminente para nós era oferecido pelos pastores da região, que eu convidada com a maior frequência possível para vir me ver em companhia de seus carneiros: nada capina melhor a grama nem equaliza melhor um terreno do que a passagem de uma centena de carneiros!"
Marcel Moré, do livro J’ai vécu l’épopée de l’Aéropostale, 1980
A cada 15 minutos, eu passava a Saint-Ex as informações meteorológicas que me dava Pelotas, repetindo-nos ‘céu puro’, sem que isso parecesse interessá-lo ou perturbá-lo. (...) Imperturbável, Saint-Ex fumava seu cachimbo, e eu via, de tempos em tempos, que ele desenhava algumas linhas no seu bloquinho. Decidi enfim escrever-lhe um bilhete: ‘Pelotas confirma céu puro, e nós estamos sobrevoando essa nuvem sem fim, nenhuma dúvida de que desviamos muito para o mar, o ângulo do sol em nossa rota o indica claramente. Vire 90 graus à esquerda. Só temos mais uma hora de gasolina”.
Paul-Henri Dissac, do livro Un Pionnier sans importance, 2012
Tudo isso me fez lembrar do relato de minha mãe, Marina Corrêa de Souza Otero (1911-2003), que a meu ver pode confirmar a passagem de Saint-Exupéry em Pelotas. Num dia em que comentávamos sobre um de seus livros, ela me disse que tinha um amigo francês e este falava muito num piloto chamado Mermoz, com quem tinha amizade também. Isso deve ter sido lá por 1930 ou 1931, época em que minha mãe era mocinha e ainda não namorava meu pai. Um dia o amigo francês contou que um grande amigo do Mermoz, também piloto, tinha tido um problema no avião e aterrissou em Pelotas e lá ficaria até que o avião fosse consertado. Então ele perguntou se poderia leva-lo à casa de minha avó. Minha mãe concordou e lá surgiram os dois, o amigo francês que morava em Pelotas e o amigo de Mermoz”.
Entrevista com Carmen Cynira, 2014. Acervo: AMAB
Vindo de Buenos Aires, Saint-Exupéry aterrissou um dia em Pelotas, no comando de um Laté-28. Só devia fazer conosco uma escala técnica antes de partir para o Rio de Janeiro. Os mecânicos da pista encheram o tanque e fizeram as verificações enquanto trocávamos informações; sempre preocupado com o bom funcionamento da Linha, Saint-Exupéry queria saber se tudo estava bem em Pelotas e se eu não tinha nada a demandar”.
Marcel Moré, do livro J’ai vécu l’épopée de l’Aéropostale, 1980