A cidade de Santos sempre demonstrou pioneirismo na aviação, pois um dos percussores ali nasceu, o Padre Bartolomeu Gusmão (1685-1724), inventor do aeróstato, o balão “Passarola”, que antecedeu em 74 anos a experiência dos irmãos Montgonfier. Em 1922, no Centenário da Independência do Brasil, os pilotos Sacadura Cabral e Gago Coutinho estiveram presentes em Santos na inauguração de um monumento ao renomado padre.
Desde o dia em que o aviador Edu Chaves decolou da praia do Gonzaga e fez evoluções sobre a cidade em seu aeroplano recém-chegado da França, em março de 1912 – tornando-se o primeiro aviador brasileiro a levantar voo com um aeroplano no território nacional – a população santista passou a presenciar as proezas aéreas dos famosos ases da aviação, muitos dos quais de renome internacional, tais como Edmond Plauchut e Roland Garros”.
J. Muniz Jr, do livro Episódios e Narrativas da Aviação na Baixada Santista, 1982
Quando ocorreu o primeiro Raid da Latécoère, dia 14 de janeiro de 1925, os pilotos da companhia, com três aviões Breguet XIV, sob a liderança de Paul Vachet, desceram na praia de José Menino. E seria na Baixada Santista que a companhia fixaria sua base, precisamente na Praia Grande que, à época, pertencia a Santos. Desde então, para os integrantes da empresa – logo denominada Aéropostale – se referiam à “escala de Santos”.
Em maio de 1927, Paul Vachet ainda desce na praia de José Menino:
Em Santos, pousei numa praia, à margem da qual está situado o bairro residencial da cidade e como eu tinha de passar o dia ali, descemos num grande hotel em frente à praia, diante do qual amarrei meu avião e solicitei ao agente policial do local que garantisse a vigilância deste”.
Paul Vachet, do livro Avant les Jets, 1954
O piloto responsável pela escala de Santos era Pierre Delay, que tinha residência fixa na cidade a partir de 1928.
Pierre Deley é, por sua vez, inspetor da linha da América, e dirigirá o setor norte, residindo em Santos, enquanto o setor sul seria confiado a Jean Mermoz, com sede em Buenos Aires”.
René Angel, do livro Pierre Delay, Pionnier de l’Aéropostale, 2002
Grande importância teve a Aéropostale em Santos nas correspondências relativas ao cultivo cafeeiro – inclusive no envio das amostras de grãos. Vale destacar que hoje a cidade dispõe de um belíssimo “Museu do Café”. O que era enviado e recebido em São Paulo passava por Santos, pois a Aéropostale não tinha base na metrópole. O movimento era assegurado pela Agência da Companhia que, entretanto, ficava no centro de São Paulo, à rua São Bento, conforme se vê em matéria do jornal A Gazeta, de 1930.
Depois de três horas de voo, as lâmpadas das docas de café de Santos refletiam suas luzes amarelas sobre um canal escuro. Para além dali três luzes piscavam na noite densa: três tochas a gasolina que Mermoz mandara dispor em triângulo no centro do terreno. O avião afundou na sombra opaca e aterrissou sem nenhum choque”.
Jean-Gérad Fleury, do livro A Linha, 1949
Mas é bom saber que, para a inauguração da Linha, a escala de Santos era a dos pepinos. (...)
Marcel Moré, do livro J’ai vécu l’aventure de l’Aéropostale, 1980
Sendo a mais próxima do Rio de Janeiro, a de Santos não dispunha de aparelho reserva. Nós (Moré, mecânico e Rozès, piloto, durante uma pane) já estávamos prestes a telefonar, quando Rozès me mostrou, extrapolando um hangar, uma asa que só podia ser de Breguet XIV; era um dos quatro aparelhos da missão Vachet, abandonado três anos antes.
(...)
Quando estava tudo verificado, o tanque cheio, o transbordo do correio feito outra vez, nós decolamos, para grande espanto dos mecânicos brasileiros de Santos”.
Saindo do Campo dos Afonsos, no Rio, com tempo muito bom, mas já na manhã avançada, o correio trazido de avião vindo do Nordeste nos fez esperar além do previsto, chegamos a Santos duas horas depois. Ali, parada de dez minutos para mudar de avião, transportar no Laté-28 F-AJJQ as malas postais, deixar os que estavam a bordo e o da Europa destinados a Santos e São Paulo e embarcar o correio para o sul. Em seguida, a decolagem aos trancos na pista gramada de frente para o mar, depois o voo de três horas seguindo a costa cujos contornos já iam ficando familiares para mim”.
Paul-Henri Dissac, do livro Un Pionnier sans importance, 2012
Carlos Cirilo, piloto civil nascido em 1923 e recentemente falecido, atribuía sua vocação de piloto às férias de sua infância, na Praia Grande, na casa dos avós, que haviam vendido um terreno à Aéropostale. Por volta dos seis ou sete anos, o menino, junto de sua mãe, conforme narra, realizou um voo com um piloto da companhia, Antoine de Saint-Exupéry.
Raramente os pilotos dormiam lá. Quando o faziam, dormiam numa pensão na Vila Guilhermina. A Praia Grande era deserta. Os pilotos pouco ficavam ali. Toda a nossa vida gira em torno da memória da infância. E na minha está a Aéropostale. Saint-Exupéry foi quem gravei porque foi o primeiro voo…”
Entrevista com Carlos Cirilo, 2012. Acervo: AMAB
– Tenho uma rota, me disse então Saint-Ex. Mas não dá para a gente ir taxiando até Santos. Desça para me virar. (...) E Saint-Ex acelerou. Um minuto mais tarde, estávamos no ar. Nós nos instalamos no céu. Naquela noite mesmo, depois de dezoito horas de voo, seis etapas garantidas e algumas sessões de esporte, aterrissamos no terreno da Aéropostale, em Pacheco, próximo de Buenos Aires, à noite, outra vez. A gente garantia a Linha...”
Jean Macaigne, “Avec Saint-Ex, j'ai transporté le courrier”, na Revista Icare, 1974
O terreno do antigo aeródromo da escala de Santos encontra-se preservado. Está ameaçado, como a maioria dos grandes espaços em regiões urbanas de grande crescimento. Situa-se na Praia Grande, onde o piloto Paul Vachet adquiriu a área de uma senhora de origem francesa (basca) e o preparou. A partir de 1946, o terreno se tornou sede do aeroclube de Santos, um dos primeiros do Brasil. Mas a área foi desativada nos anos 1980, a casa de pilotos e a de rádio desabaram. O terreno requer das autoridades maior atenção, já que a especulação imobiliária na região é impiedosa.