Imprensa
21/05/2011

Entre o céu e a terra – Jornal Notícias do Dia

A presença feminina na vida e obra de Antoine de Saint-Exupéry

por Mônica Cristina Corrêa

Muito da biografia de Antoine de Saint-Exupéry acrescenta ao mito literário que ele acabou por tornar-se, sobretudo pelo “O Pequeno Príncipe”, com mais de 180 traduções. Sua inusitada rotina de aviador na época em que essa profissão era sinônima de alto risco e aventura propiciou-lhe o contato com as mais diversas paisagens terrestres e celestes. E a vocação de escritor, que se sobrepôs, não deixou por menos: deu-lhe a oportunidade de conviver com toda sorte de gente. Daí a vasta matéria de sua obra, na qual, todavia, a presença feminina é sutil. É preciso estar atento às linhas de Saint-Exupéry para compreender o que significam as mulheres em sua trajetória.

Saint-Exupéry não era decerto o protótipo do homem bonito, como o caso de seu colega Jean Mermoz, mas um sedutor charmoso, que multiplicou casos amorosos sem banalizar suas parceiras.

Desde o amor de juventude, sua noiva Louise de Vilmorin (1902-1969), por quem esteve prestes a abandonar a carreira de piloto, e apesar do casamento com a salvadorenha Consuelo de Suncin, em 1931, são muitas as suas relações.

A “vulcânica” viúva Consuelo inspirou-lhe a rosa do Pequeno Príncipe. Já a raposa é provavelmente reflexo da bela americana Silvia Reinhardt, com quem o piloto passava tardes a ler o que escrevia em Nova York. Silvia não entendia o francês e Saint-Exupéry não falava inglês, mas seus encontros foram plenos. A moça, entretanto, padecia com suas inconstâncias.

Numa carta em que Saint-Exupéry tenta explicar-lhe suas ausências, talvez esteja o segredo de sua forma de encarar o amor: “Sou teu amigo mais profunda¬mente do que imaginas. Isso é mascarado e invisível por causa das más relações que tenho com o amor. É para mim meu mistério, muito cansativo. O amor me faz calar: ele me impede de falar. Não me libera; aprisiona-me. E ao mesmo tempo, é-me necessário… Eu me atrapalho no amor.”

A atriz Natalie Paley (1905-1981), neta do czar russo Alexandre 2º, também o impressionou. Tiveram uma relação melodramática, marcada por sete cartas emocionantes de 1942. Encontra-se entre essas uma raríssima alusão à sexualidade de Saint-Exupéry: “Se vieres muito perto da minha cama, eu vou te agarrar pelos punhos e vou te sacudir como a uma árvore e te obrigar a me dar teus frutos…”

Recentemente, descobriram-se cartas de 1943 que o pi¬loto, em serviço em Alger, escreveu a uma jovem de 23 anos. No trem, apaixona-se pela enfermeira da Cruz Vermelha e oficial do exército francês. As cartas, com desenhos já esboçando “O Pequeno Príncipe”, são de recriminação por ela não corresponder-lhe.

Em 1942, Nada de Bragança, mulher de um príncipe Orléans e Bragança, que encontrou em Nova York, sacudiu seu coração. A brasileira foi diversas vezes confundida com Hélène de Vogüé. Por ele tratada como Nelly, a empresária era casada e jamais permitiu que seu nome fosse divulgado.

A mulher de negócios Hélène de Vogüé (1908-2003) correspondia à preferência de Saint-Ex: alta, loura, poliglota. Empresária altamente cultivada e aficionada por literatura, encontrou Saint-Exupéry em 1920, vivendo com ele um romance até seu desaparecimento (1944). Nada foi obstáculo para que mantivessem uma profunda ligação, sobretudo de 1934 a 1943. É a ela que Saint-Exupéry confiou a maior parte de seus manuscritos.

A relação turbulenta com Consuelo parece ter sido sempre contornada pela presença ponderada de Nelly. “Ele incumbiu Madame de B. (Hélène de Vogüé) de protegê-lo, de aconselhá-lo, organizar seus negócios, papel para o qual ela era extremamente dotada. E incumbiu a rebelde Consuelo de fazer o papel de ‘bruxa’, como a chamava, de distraí-lo com suas fábulas e meias verdades”, diz a biógrafa Stacy de la Bruyère.

No entanto, a mulher com quem o piloto teve uma relação de total confiança foi sua mãe, Marie de Saint-Exupéry (1875-1972), pintora, musicista, amante das leituras e da arte. Saint-Exupéry, que perdera o pai aos cinco anos, foi sempre próximo da mãe, fato atestado pela vasta correspondência entre eles.

A visão de Saint-Exupéry com relação às mulheres reflete a época em que viveu. O sonho de encontrar nas figuras femininas o conforto que se opunha à rudeza do trabalho de piloto naqueles tempos. Além disso, sua vida errática o fez pensar sempre na volta a um “lar seguro”, em cujo centro estaria a mulher ideal. Conforme observa a pesquisadora Delphine Lacroix: “Saint-Exupéry tem o desejo constante de ser serenado pelas mulheres – ele cortejou e seduziu muitas delas para preencher esse vazio”.

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