Imprensa
15/04/2009

Na trilha de Saint-Exupéry

Sobrinho do autor de O pequeno príncipe vem ao Brasil para conhecer as cidades percorridas pelo tio no final da década de 20

Revista Isto é Independente – Comportamento – N° Edição: 2057 – 15.Abr.09 – 10:00

LEMBRANÇAS

No Brasil, François D’Agay, 85 anos, vai percorrer a costa litorânea e dar palestra sobre o tio Antoine de Saint-Exupéry (acima)

Quando se pensa em Antoine de Saint-Exupéry, a imagem que vem à mente é a do aviador francês metido em um uniforme de piloto, apertado numa cabine de avião ou debruçado sobre manuscritos. Mas o autor de O pequeno príncipe tinha outras facetas menos conhecidas: gostava de caçar, pescar e frequentar bailes. E fazia tudo isso no Brasil. Exupéry esteve em algumas cidades da costa brasileira, especialmente em Florianópolis, Rio de Janeiro e Natal, entre 1929 e 1930. Nessa época, era um dos pilotos do correio postal Aeropostale, que operava entre Europa, África e América Latina, e morava em Buenos Aires, na Argentina. Para refazer esse trajeto e conhecer as cidades brasileiras que serviram de escala para o tio, seu sobrinho François D’Agay, 85 anos, desembarca em São Paulo na quarta-feira 22. A Aeropostale entregava correspondências em Natal, Recife, Salvador, Vitória, Rio, Santos e Florianópolis. “Como diretor da companhia na América Latina, acredito que Exupéry tenha conhecido todas essas cidades”, diz a pesquisadora paulista Sheila Dryzun, que acompanhará François na viagem.

François está ansioso para conhecer Natal – especialmente um centenário baobá, situado na rua São José. “Comenta- se que essa árvore teria inspirado o autor a incluir a espécie em O pequeno príncipe, diz Sheila. O sobrinho ilustre esteve pela primeira vez no Brasil no ano passado. Visitou São Paulo, Rio e Florianópolis e conheceu os parentes de alguns pescadores da praia do Campeche. “Meu tio os ajudava a tirar as redes da água”, conta. Na região, Exupéry era conhecido como Zé Perri, por causa da dificuldade dos nativos de falar outra língua.

Até agora, a passagem de Exupéry pelo Brasil seguia envolta em mistérios. Sobram relatos de parentes de testemunhas que teriam tido contato com ele antes da fama, ocorrida a partir de 1943, com o lançamento de O pequeno príncipe. Mas não há nenhum registro fotográfico da época. Em 22 de abril, em pleno Ano da França no Brasil, Sheila abre uma exposição e lança dois livros sobre o escritor e o principezinho, em São Paulo. Um deles, Antoine de Saint-Exupérya história de uma história (Pedra N’Água), reúne as pegadas deixadas pelo aviador no País. Entre elas está um trecho do manuscrito de Voo noturno (1931), rabiscado num papel com a logomarca do hotel Itajubá, no Rio. O documento foi encontrado por Sheila numa biblioteca de Paris. Era no Itajubá, onde havia uma bela vista da Baía de Guanabara, que os pilotos da Aeropostale descansavam.

Em família

François (mais novo) e o irmão Jean na companhia de Exupéry em agosto de 1940, em Agay, na França. Quatro anos depois, o avião que o escritor pilotava caiu no Mar Mediterrâneo
Filho da irmã caçula de Exupéry, François nasceu em Agay, na Provença, na França. Via o tio com relativa frequência até ele partir para os Estados Unidos em 1940 – foi lá, em exílio, que escreveu e lançou seu livro de maior sucesso, O pequeno príncipe. Segundo François, Exupéry não costumava lhe contar histórias, mas gostava de ler o que escrevia. “Eu ouvi em voz alta o manuscrito de Terra dos homens”, lembra, citando outra obra do autor. Ainda nessa época, o sobrinho escutava os relatos de aventuras do tio. “Exupéry contava que voava pela Região Amazônica: de um lado, o oceano, e do outro, uma floresta impenetrável”, lembra. “Ele sofreu três panes no motor e pousou na praia todas as vezes.”

Nascido em 1900, em Lyon, e casado com a salvadorenha Consuelo, Exupéry não teve filhos. Às 8h45 de 31 de julho de 1944, aos 44 anos, decolou da Córsega para uma missão de reconhecimento sobre a França ocupada. Nunca mais voltou. Em 1988, um pescador achou seu bracelete no Mar Mediterrâneo e, em 2000, os destroços do Lockheed P-38 foram localizados próximo dali. Seu corpo nunca foi encontrado. Os leitores mais românticos preferem acreditar que, assim como o piloto de O pequeno príncipe, Exupéry desvaneceu-se no ar. Recentemente um aviador alemão afirmou que abateu Exupéry. Mesmo assim, há quem acredite em falha humana, mecânica e até em suicídio. François tinha 18 anos quando soube do desaparecimento do tio. “Aguardamos muito tempo seu regresso”, lembra. “Depois entendemos que o mar foi sua sepultura.” Agora, poderá reencontrar um pouco de Zé Perri no Brasil.