Vestígios de um grande homem
O mistério e milagre
Memória. Há 67 anos desaparecia o piloto e escritor Saint-Exupéry
Por Mônica Cristina Corrêa
Dia 31 de julho faz 67 anos que desapareceu o piloto Antoine de Saint-Exupéry na França. Era manhã de guerra, no ano de 1944, e o piloto recebera sua quinta e última missão em Bastia, na Córsega, decolando de um Lightning P38 a fim de fazer um reconhecimento sobre a região de Grenoble, próximo à Suíça.
No retorno, o general Gavoile, chefe do grupo 2/ 33 a que pertencia Saint-Exupéry, iria lhe revelar a data do desembarque aliado na Provença com intenção de mantê-lo afastado das pistas: detendo segredo de guerra, Saint-Exupéry não poderia correr o risco de ser capturado e forçado a dizê-lo. O piloto contava 44 anos e sua condição física, por causa de sequelas de acidentes, eram problemas em grandes altitudes. Gavoile tentou poupá-lo sem suspeitar que o piloto jamais voltaria.
Mistério pairou sobre esse desparecimento, gerando teses sobre um possível suicídio — Saint-Exupéry não escamoteava uma forte depressão. Ele, que nasceu com o século 20, em 1900, testemunhou dois conflitos mundiais. A situação da França ocupada o deixava arrasado. Muito se especulou e quase nada foi esclarecido por quase 60 anos. Seus livros, repletos de sua filosofia a respeito da vontade humana, da compaixão e fraternidade traziam palavras necessárias em tempos de desilusão. E se propagaram com ares proféticos. No mais célebre deles, hoje com 253 traduções, “O Pequeno Príncipe” (1946), Saint-Exupéry fala sobre 44 pores de sol, mencionando a idade com que desapareceria. Em “Voo noturno” (1931), descreve o desaparecimento de um piloto: “Ele está perdido nas constelações que habita só. (…). Encerra no manche o peso da riqueza humana e leva, desesperado, de uma estrela à outra, o inútil tesouro que precisará entregar…”
Mistério quase desvelado em 1998, quando um simples pescador marselhês tirou do mar Mediterrâneo um bracelete com o nome do piloto gravado; seguindo essa “pista”, o mergulhador Luc Vanrell encontrou os destroços de seu P-38 naquelas proximidades (2002). Saint-Exupéry terminou no mar da Côte d’Azur. As razões desse desvio de rota permanecem desconhecidas. Um piloto alemão, Horst Rippert, hoje com mais de 95 anos, confessou ter abatido o avião pilotado por Saint-Ex. Não sabia que abatera o avião do escritor cujos textos o levaram a escolher a aviação: “Nunca teria atirado se soubesse, não num homem daqueles”, confessou durante entrevista à TV alemã. Há dúvidas sobre esses disparos e sua autoria. Não há dúvidas, porém, de que o mundo perdeu precocemente “um homem daqueles”. Em 1948, Saint-Exupéry foi considerado oficialmente morto pela pátria e seu nome inserido no prestigioso Panthéon, em Paris, monumento reservado aos grandes homens da França.
As buscas por precisões sobre as circunstâncias da morte de Saint- Exupéry continuam. Disse um de seus melhores amigos, a quem dedicou o Pequeno Príncipe, Léon Werth: “E decerto ele fez da aviação uma espécie de poesia. Foi o arcanjo entre céu e terra; entre as estrelas; naquela noite, perdido no espaço, não sabendo mais quais luzes eram as da Terra, deve ter escolhido entre os planetas e errou o seu. E decerto, sua lenda heroica está intacta. Ele foi igual a sua lenda. É milagroso. E sei de casos em que foi até superior a sua lenda”.