Obras

Carta a um refém (1943)

Antoine de Saint-Exupéry redige Carta a um refém durante seu exílio nos Estados Unidos, em 1942. Sob a forma de carta, Saint-Exupéry a endereça a um amigo que ficou “refém” numa França ocupada, perseguido em seu país, que já não consegue deixar. Por meio de uma demonstração de amizade enviada ao amigo que sofre, seu texto homenageia a França.

Originalmente, Antoine de Saint-Exupéry escrevera um prefácio ao manuscrito Trinta e três dias, de seu amigo Léon Werth. De origem judia, Léon Werth se refugiou em Saint-Amour, no Jura, onde Saint-Exupéry o visitara antes de partir aos EUA, em dezembro de 1940. Este lhe confia seu manuscrito, uma narrativa sobre o êxodo, e lhe pede que consiga a publicação. Por razões obscuras, o manuscrito não será publicado. Saint-Exupéry rearranja seu prefácio para fazer dele um texto independente. Primeiramente intitulado Carta a um amigo, depois Carta a Léon Werth, antes do título definitivo Carta a um refém, o texto descreve a França sofrendo sob a ocupação alemã.

Carta a um refém sai em junho de 1943, pela Editora Brentano’s, em Nova York, quando Saint-Exupéry já havia deixado os EUA para ir à África do Norte. Em fevereiro de 1944, o texto sai em Alger, no primeiro número da revista Arche, dirigida por Jean Amorouche. Na França, a editora Gallimard publica o texto em dezembro de 1944.

“Não conseguiríamos imaginar declaração de amor mais bonita. Apenas o pensamento de Léon Werth vivendo em sua cidadezinha francesa pode lhe dar corpo. Apenas sua amizade pode fazer com que não seja ele mais um emigrante, mas um viajante. É o tema central de Carta a um refém. O emigrante não tem raízes. O viajante, mesmo que se encontre temporariamente fora das fronteiras de seu país, continua orientado para este por todos os seus afetos” – diz Françoise Gerbord em nota à Carta a um refém (Biblioteca da Pléiade).

Resumo

Nessa carta, Antoine de Saint-Exupéry escreve a um amigo, Léon Werth, e por seu intermédio refere-se a toda a França ocupada. Perseguido em seu país, que não pode deixar, seu amigo anônimo no texto simboliza o francês refém do ocupante.

O texto é composto de seis capítulos curtos. Poética, a carta mistura referências a sua amizade por Léon Werth e a seu apego pelo país natal. Lembranças e observações se encadeiam segundo uma demonstração que se edifica aos poucos, por fragmentos. Saint-Exupéry retoma os elementos recentes de sua vida (viagem a Portugal, evocação do Saara, estada nos EUA…). Homenageia todos os exilados, todos os que tomaram consciência da importância de suas raízes, principalmente os franceses feitos reféns pelo regime hitlerista. Pois ele quer pensar na França que sofre, não naquela que se dilacera.

Em dezembro de 1940, Saint-Exupéry chega a Lisboa, de passagem para os Estados Unidos. A cidade mostra uma alegria suspeita. Há refugiados “os que se expatriam para longe da miséria dos seus, para colocarem o dinheiro a salvo”. Saint-Exupéry os encontra no navio. Diferentemente de quem viaja, os emigrados cortaram as amarras e não estão em parte alguma.

O essencial é criar laços; depois, cultivá-los. A França, mesmo ocupada, permanece um ponto de retorno para Saint-Exupéry. Ele não é um emigrante dos EUA porque tem um amigo na França. Esse amigo tem 50 anos, está doente e é judeu. Saint-Exupéry narra um momento privilegiado em sua companhia no restaurante às margens do rio Saône.

Desponta outra lembrança. Na Espanha, durante a guerra civil. Enviado por um jornal para fazer uma reportagem, Saint-Exupéry foi preso por anarquistas e levado a um posto da guarda. Nossa civilização repousa sobre o respeito do homem, de seu poder em transformar o mundo e a si mesmo. É preciso respeitar o que é diferente no outro. Esse laço cria uma aliança fundada no futuro e não na origem. A França é feita dessas diferenças, pelas quais luta Saint-Exupéry. Seu amigo é um dos 40 milhões de reféns trancados como num porão, mas “é nos porões da opressão que se preparam as novas verdades”. Os que sofrem são o futuro: carregam em si o Espírito. São os santos.

Citações

“Descobrimos rapidamente os amigos que nos ajudam. Merecemos lentamente aqueles que exigem ser ajudados”.

“É preciso amamentar muito tempo uma criança, antes que se ponha a exigir. É preciso cultivar um amigo antes que ele reclame sua paga de amizade. É preciso ter-se arruinado durante gerações, consertando o velho castelo que desmorona, para aprender a amá-lo”.

“O essencial éestar vivo para o retorno”.

“O homem é governado pelo Espírito. Valho, no deserto, o que valem minhas divindades”.

“O prazer verdadeiro é prazer de conviva”.

“Respeito pelo homem! Aí está a pedra de toque.”

“A vida cria a ordem, mas a ordem não cria vida”.

“Uma civilização se funda primeiro na substância. É primeiro, no homem, o desejo cego de certo calor. O homem, depois, de erro em erro, encontra o caminho que leva ao fogo”.

“Os verdadeiros milagres fazem pouco alarde”.

“Um sorriso é muitas vezes essencial. Somos pagos por um sorriso. Recompensados por um sorriso. Animados por um sorriso. Dependendo do tipo de sorriso, podemos até morrer”.

“Se sou diferente de ti, longe de te lesar, eu te aumento”.

“Somos da França como de uma árvore”.

“É sempre nos porões da opressão que se preparam as novas verdades”.

Bibliografia

Antoine de Saint-Exupéry : Lettre à un otage, Brentanno’s, New York, 1943

Antoine de Saint-Exupéry : Lettre à un otage, Gallimard, France, 1944

Max-Pol Fouchet :  Lettre à un otage, dans Icare n° 108, 1984

Gilles Heuré, L’insoumis Léon Werth, Viviane Hamy, 2006

Maxwell Smith : Saint Exupery’s Lettre à un otage, The French Review vol 24 n° 2, décembre 1950 p. 110-118

Saint-Exupéry : Œuvres complètes II, Bibliothèque de la Pléiade, p. 1262-1300