Obras

Correio Sul (1929)

Publicado em 1929, Correio sul é o primeiro livro de Saint-Exupéry. Desde então, seu destino mudaria. O jovem autor, que tinha dúvidas sobre sua vocação, entrava com o pé direito no mundo das Letras. E, como observou bem Umberto Eco, ficava difícil saber “se ele voava para escrever ou se escrevia para voar”.

Piloto da companhia Latéocère desde outubro de 1926, um ano mais tarde, Saint-Exupéry foi nomeado chefe do aeródromo de Cabo Juby (hoje, Trafaya), na parte meridional do Marrocos, de protetorado espanhol. Saint-Exupéry morou num forte perdido entre o deserto e o oceano, próximo a uma pista onde os aviões da companhia aterrissavam uma vez por semana. Seus dias e noites eram, sobretudo, vazios. A fim de povoar sua solidão, ele escrevia: “Eu leio um pouco e decidi escrever um livro. Já tenho uma centena de páginas e estou enclausurado em sua construção” – confessou numa de suas cartas. Ao longo das semanas e páginas, a narrativa se organiza, os personagens tomam vulto, a escrita se aperfeiçoa. No início de 1929, de volta a Paris, ele faz os últimos retoques.

O romance retoma e amplia seu primeiro texto, “O aviador”, publicado em 1926, na revista Navire d’Argent. O personagem do livro, Jacques Bernis (já herói de “O aviador”), é piloto da linha Latécoère, como Saint-Exupéry. Ele transporta o correio à América do Sul, onde a companhia Latécoère garantia uma parte do correio aéreo com destino à Europa desde 1926. Como Saint-Exupéry, Jacques Bernis tem um ofício perigoso que torna a difícil a vida tranquila com que sonha Geneviève, mulher que ele ama e da qual se separa. Pelas mesmas razões, Louise de Vilmorin rompera o noivado com Saint-Exupéry, assustada com os riscos que ele corria enquanto aviador.

A Nouvelle RevueFrançaise publicara fragmentos de Correio sul no número 188 de maio de 1929, enquanto a edição integral foi impressa pelas Éditions de La Nouvelle RevueFrançaiseLibrarie Gallimard. A obra foi prefaciada pelo jornalista e escritor André Beucler. Esse primeiro romance foi um sucesso que incitou Saint-Exupéry a continuar a trajetória de escritor, paralelamente à carreira de aviador.

Resumo

Jacques Bernis deve entregar o correio na América do Sul, passando por Toulouse e Dacar. Ele decola. O rádio anuncia sua partida a cada etapa seguinte. Sobrevoando a Espanha, Bernis rememora, emocionado,a infância. Faz escala em Alicante. Depois de uma pequena revisão  do aparelho, Bernis parte novamente. Na tempestade, um cabo fica bloqueado. O avião inclina-se perigosamente. Um tranco com o pé desbloqueia o cabo e o avião endireita.

O jovem Jacques Bernis está apaixonado por Géneviève. Ela casara-se com Herlin, que tem “a pretensão de um político”. A relação do casal é tensa, e quando seu filho cai doente, as angústias de pais envenenam o relacionamento. Esgotada pelas noites passadas à cabeceira do filho, Géneviève quer sair para escapar à atmosfera sufocante de casa, onde tinha de suportar as recriminações do marido. Para Herlin, a doença de seu filho é uma punição de Deus, que castiga a mãe. Quando a criança morre, Geneviève foge de casa e encontra refúgio nos braços de Bernis.

Será que ao menos ela sabe do que precisa? – pergunta-se Bernis. Ele não pode lhe oferecer a vida que deseja. O amor é uma coisa, a vida, outra, pensa.

Além disso, é preciso evitar as maledicências. Numa igreja, Bernis ouve o padre ler o Evangelho. Descobre a que ponto Jesus é um ser desesperado. Perturbado com sua relação com Géneviève, busca consolo num cabaré de Monmartre, depois na cama de uma mulher qualquer, fraco remédio para seu desespero e solidão.

O avião de Bernis deixa a Europa. Depois de escalas em Casblanca e Agadir, ele vai a Cabo Juby. Esperam-no em vão. Teria caído no deserto? Teria sido feito prisioneiro dos mouros? Finalmente, é restabelecido o contato com o rádio deAlicante: o avião de Bernis precisara dar meia volta, e ele partiria em breve. Previnem Dacar. O avião decola. Pane seguida de acidente. Telegramas anunciam a morte do piloto.

Citações

“Estávamos perdidos nos confins do mundo, pois já sabíamos que viajar é antes de tudo mudar de carne”.

“Vivíamos uns sobre os outros diante de nossa própria imagem, a mais limitada!”

“Cada dia, para o operário que começa a construir o mundo, o mundo começa”.

“Quarto de piloto, albergue incerto, é preciso muitas vezes te reconstruir!”

“A única verdade é talvez a paz dos livros”.

“É preciso afastar-se um pouco para olhar alguém dormindo. Vigia teus amores como um pastor!”

“Dominamos as coisas quando as emoções respondem.”

“Toda mulher contém um segredo: um sotaque, um gesto, um silêncio!”

“Nada está tão ameaçado quanto a esperança!”

“Você sentia de repente sua vida tão certa, como uma árvore nova se sentiria crescer e desenvolver a semente à luz do dia”.

“A multidão é a matéria viva que te nutre de lágrimas e de risos”.

“O sofrimento é quase um amigo. Os dramas são raros na vida. Há tão poucas amizades, ternuras, amores a liquidar”.

“É preciso ter, em torno de si, para existir, realidades que durem”.

“O dinheiro é o que permite a conquista dos bens – mas a fortuna, é o que faz durar as coisas”.

“Amar é nascer. Viver, sem dúvida, é outra coisa”.

“Um exército sem fé não pode conquistar”.

“Os braços do amor te envolvem com teu presente, teu passado, teu futuro, os braços do amor te ajuntam”.

“A casa é um navio. Passa as gerações de uma margem à outra”.

“Quando nos abandonamos, não sofremos. Quando nos abandonamos, mesmo à tristeza, não sofremos mais”.

“Na vida cotidiana, um passo mínimo toma a importância de um fato e o desastre moral perde um pouco o sentido”.

“Se encontrar uma fórmula que me exprima, que me ajunte, para mim será a verdade”.

“A imobilidade se apodera, cada segundo mais grave como uma síncope, depois a vida retoma”.

“Pouco me importa sua luz! Eu tenho a Lua!”

“Saímos da mesma infância…”

“Minha vida é apertada como um drama. Sabíamos da morte instalada no teto, nós a acolhíamos intimamente, sem virar o rosto”.

“É tudo muito simples: viver, organizar os bibelôs, morrer…”

“Tantas imagens corriam em nossos olhos: somos prisioneiros de uma só delas, que pesa o verdadeiro peso de suas dunas, de seu sol, de seu silêncio”.

“As estrelas medem-nos as verdadeiras distâncias. A vida tranquila, o amor fiel, a namorada que pensamos amar, é sempre a estrela polar que as baliza”.

Bibliografia

Antoine de Saint-Exupéry : Courrier Sud dans La Nouvelle Revue Française N°188, p.610-619, mai 1929

Antoine de Saint-Exupéry : Courrier Sud, NRF, Gallimard, France, 1929.
René-Marill Albérès : Saint-Exupéry, Bibliothèque de l’Aviation. (La Nouvelle Edition), Paris, 1946

Marion Bonner Mitchell : Saint Exupéry’s concept of image and symbol in CourrierSud, thèse, Ohio State University, 2005

M. A Parry : Symbolic interpretation of Courrier Sud, The Modern Language v. 69, États-Unis, avril 1974

Jean Prévost : Courrier Sud dans Icare n° 108, p.78