Moscou (1935)
Em 2 de maio de 1935, um tratado franco-soviético de cooperação mútua foi assinado em Paris, depois da visita do então Primeiro Ministro francês, Pierre Laval, a Moscou, de 13 a 15 de maio de 1935. O jornal de maior tiragem da imprensa francesa, o Paris-Soir, cobriria o fato. Dono do jornal, Hervé Mille, incumbiu Antoine de Saint-Exupéry de fazer uma reportagem naquele território isolado do resto do mundo, no país da revolução bolchevique, do poder dos operários e dos camponeses.
Saint-Exupéry fica curioso em conhecer por si mesmo aquele país que está no centro de várias polêmicas, adulado ou execrado com paixão. André Gide e André Malraux falam muito bem da URSS e escritores de primeira importância são também seus defensores. Do outro lado, muitos denunciam a miséria ligada à coletivização das terras, à desorganização econômica, ao terror policial, ao despotismo de Stalin e à falta de liberdade.
Saint-Exupéry escreve seis artigos, nos quais relata sua viagem através da Europa e a chegada à União Soviética em maio de 1935. Mais atento às suas próprias concepções do que às realidades, ele julga o sistema soviético com complacência. A ideia de que o homem se constrói segundo suas convicções morais, pelo esforço e pelo sacrifício e que é necessário obrigá-lo a superar-se, o impede de compreender a complexidade daquela sociedade. Em nome da grandeza do homem, que se edifica na dor, cada um oferecendo a vida pela causa comum, ele elogia Stalin, fermento de seu povo. Saint-Exupéry não percebe os perigos de um sistema tão seguro de suas verdades que não admitia nenhuma contestação e condenava-se à estagnação.
Resumo
“Moscou inteira celebrou a festa da Revolução”, Paris-Soir, 3 de maio de 1935.
Tendo chegado a Moscou na véspera do 1o. de maio, Dia do Trabalho, Saint-Exupéry assistiu aos preparativos do grande desfile da Praça Vermelha, em presença de Stalin. Sem as autorizações necessárias, tinha de ficar no hotel, mas escapou mesmo assim…
“À noite num trem onde, no meio de operários poloneses repatriados, Mozart menino dormia…”, Paris-Soir, 12 de maio de 1935.
No trem que o conduzia através da Europa para Moscou, Saint-Exupéry decide explorar aquela “pequena parte”, onde iria passar três dias. Chegou aos vagões da terceira classe, onde dormiam operários poloneses. Ao lado de um casal, viu uma criança com carinha de anjo : « eis aí Mozart menino… ».
“Moscou! Mas onde está a Revolução?”, Paris-Soir, maio de 1935
Enfim, na Rússia. Na estação fronteiriça, a sala da alfândega se parece com um salão de festas, e o restaurante da estação é grande. O guarda aduaneiro, indiferente, dava uma sensação de grande força. Tudo estava normal, nenhuma miséria, nenhum sinal de terror, as pessoas não pareciam arrasadas por um infortúnio insustentável. A Revolução não se fazia sentir na vida de todos os dias e a União Soviética se assemelhava a todos os outros países civilizados.
“Crimes e castigos diante da justiça soviética”, Paris-Soir, 19 de maio de 1935.
Um juiz soviético explica que não pune: ele corrige. Como um médico, ele cura, se pode, mas se não consegue curar, fuzila para preservar a saúde pública. Culpado não significa mais nada na União Soviética. As penas têm relação com a situação social. Há também a vigilância policial, o passaporte interior, a sujeição ao coletivismo…
“O fim trágico de “Máximo Gorki”, Paris-Soir, 20 de maio de 1935.
O Tupolev Máximo Gorki é perseguido por um dos aviões de caça que escoltava quando de um voo de demonstração sobre Moscou. O avião cai num bairro residencial. Somente o jornalista estrangeiro convidado a bordo na véspera desse acidente, Saint-Exupéry, descreve o maior avião do mundo na época.
“Uma estranha noite com Melle Xavier e dez velhinhas um pouco bêbadas, que lamentavam seus vinte anos”, Paris-Soir, 22 de maio de 1935.
Saint-Exupéry visita Melle Xavier, que mora num apartamento comunitário. “Velha fada bruxa”, Melle Xavier é uma das 300 francesas, perdidas naquela cidade, antigas professoras ou governantas que viveram a Revolução. Melle Xavier reúne dez outras velhas que lhe contam a vida durante os anos de revolução e guerra civil.
Citações
“(Sobre Stalin) Poderiam inventar que ele não existe de tão invisível que é sua presença”.
“E assim ele conduziu aquele povo para uma terra prometida e, esta, ele fazia brotar de um antigo lugar de terra devastada, no lugar de um êxodo para terras férteis ou miragens de aventuras. (Sobre Stalin)”
“Parece um pouco paradoxal imaginar o dia em que Stalin, do fundo de seu Kremlin, decretará que um bom proletário, que se dê ao respeito,viste-se para a noite A Rússia, nesse dia, jantará de smoking”.
“Pois o essencial de um costume, de um rito, de uma regra de jogo, é o gosto que dão à vida, é o sentido da vida que criam”.
“O homem era parecido com um monte de lama”.
“A viagem é uma espécie de prefácio que prepara para entender-se um país”.
“Há um grande desrespeito pelo indivíduo, mas um grande respeito pelo homem, por aquele que se perpetua através dos indivíduos e cuja grandeza se trata de construir”.
“Eis aí um rosto de músico, eis Mozart menino, eis uma bela promessa de vida! Os pequenos príncipes das lendas não eram diferentes dele.”
“Quando nasce por mutação uma nova rosa num jardim, todos os jardineiros se comovem. Isola-se a rosa, cultiva-se a rosa, valoriza-se a rosa… Mas não há jardineiro para os homens.”
“Mozart menino será marcado, como os outros,pela máquina de embotar”.
“O que me atormenta, não são os buracos, nem as corcundas, nem essa feiura. É, um pouco em cada um desses homens, Mozart assassinado”.
“Assim, descubro pouco a pouco o quanto fui ingênuo de ter acreditado nos contos.”
“Descubro, pelos meus próprios erros, o quanto tentou-se desfigurar a experiência russa”.
Bibliografia
Saint-Exupéry : Œuvres complètes I, Bibliothèque de la Pléiade, Gallimard, 1994.