O Voo Interrompido (1936)
Antoine de Saint-Exupéry reservou ao jornal L’Intransigeant a exclusividade de seu raide Paris-Saigon. Reagrupados sob o título de “Voo interrompido, prisão de areia”, seis artigos foram anunciados na primeira página e tiraram o fôlego dos leitores do jornal de grande tiragem. A experiência no deserto lhe deu uma matéria romanesca em que suas ideias se manifestam com brilhantismo.
Nessa época, Saint-Exupéry tinha uma incontrolável necessidade de sensações fortes. O tempo glorioso da aviação postal ficara para trás. Ele estava desocupado, insatisfeito com sua situação profissional e conjugal, buscava novas atividades para desviar-se de si mesmo. Era época dos raides aéreos e Paris-Saigon inscrevia-se num concurso do Ministério da Aeronáutica, com um prêmio de 150.000 francos. Surgia, pois, a ocasião para que ele se confrontasse com os elementos, encontrasse o contato com a terra, fonte do nascimento e da fraternidade. Em 29 de dezembro de 1935, acompanhado por André Prévot, ele decolou do Bourget, decidido a bater o recorde de André Japy naqueleraide. Na noite de 30 de dezembro, o avião bateu numa planície e parou no deserto a alguns quilômetros do Cairo. Saint-Exupéry e Prévot, o mecânico, passaram três dias e quatro noites no deserto…
A reportagem de sua aventura vendida ao L’Intransigeant devia ser publicada sem atrasos. O leitor tem memória curta, mesmo que a notícia de seu acidente e o suspense ligado ao salvamento tenham feito muito barulho um mês antes na imprensa cotidiana nacional. Pressionado pelo tempo, Saint-Exupéry enche as páginas. Num primeiro jato de escrita, ele intitula uma passagem “No meio do deserto”, episódio decisivo de sua vida. Vai diretamente à narrativa, desenvolve sem dificuldade as partes dialogadas, encontra imediatamente o melhor tom e ritmo. Depois, reorganiza os textos para a publicação em artigos. Essas páginas, entre as mais belas de sua obra, serão retomadas em Terra dos homens, formando, com algumas variações, o capítulo VII, “No meio do deserto”.
Resumo
“O voo interrompido, prisão de areia (1): um aviso do destino”, L’Intransigeant, 30 de janeiro de 1936.
Esse primeiro artigo começa a narrativa doraide Paris-Saigon em 29 de dezembro de 1935, no aeroporto Bourget. Segue-se uma decolagem e um momento de voo sem problemas e a primeira escala é em Túnis, na Tunísia. O artigo é retomado em Terra dos homens, capítulo VI, “No meio do deserto” – Parte I, mas reduzido pela metade.
“O voo interrompido, prisão de areia (2): De repente, um formidável tranco” – L’Intransigeant, 31 de janeiro de 1936.
Saint-Exupéry e Prévot prosseguem seu voo, mesmo depois do cair da noite. Eles fazem escala em Benghazi, mergulhada na noite escura, depois continuam em direção ao Cairo até aquele “formidável tranco”. O artigo é retomado em Terra dos homens, capítulo VI, “No centro do deserto”, Parte II, com reduções.
“O voo interrompido, prisão de areia (3): a sede” – L’Intransigeant, 1 de fevereiro, de 1936.
O avião partiu-se no deserto, o piloto e o mecânico estão vivos. Decidem esperar o dia nascer na cabine do aparelho. De manhã, caminham por seis horas, perfazendo 35 km antes de voltar ao avião. Começa a sobrevivência. O artigo é retomado em Terra dos homens, capítulo VI, “No meio do deserto”, Partes III e IV, dividido em dois.
“O voo interrompido, prisão de areia (4): o delírio” – L’Intransigeant, 2 de fevereiro de 1936.
Os dois homens estão prisioneiros do deserto. Não ouvem nenhum avião à sua procura. A sede, as vertigens, Saint-Exupéry “inventa” miragens. O artigo é retomado em Terra dos homens, capítulo VI, “No meio do deserto”, Parte V.
“O voo interrompido, prisão de areia (5): o suplício” – L’Intransigeant, 3 de fevereiro de 1936.
Prévot corta um paraquedas para recolher o orvalho e encontra uma “laranja miraculosa”, que os dois homens dividem. De manhã, eles conseguem uma grande quantidade de água, mas com um gosto de metal envenenado mais forte do que a sede. Decidem ir adiante. O artigo é retomado em Terra dos homens, capítulo VI, “No meio do deserto”, Parte VI, com reduções.
“O voo interrompido, prisão de areia (6): ressurreição” – L’Intransigeant, 4 de fevereiro de 1936.
Três dias se passaram no deserto desde o acidente. Os sintomas da sede se fazem sentir. Os dois homens andam sem esperança quando, de repente, veem pegadas na areia… O artigo é retomado em Terra dos homens, capítulo VI, “No meio do deserto”, Parte VII, com modificações no final.
Citações
“Atravessamos o grande vale negro dos contos de fadas, o da provação. Aqui, nada de socorro. Aqui, nada de perdão aos seus pecados. Estamos entregues à vontade de Deus”.
“Cremos que o homem pode ir adiante. Cremos que o homem é livre… Não vemos a corda que o liga ao poço, que o amarra, como um cordão umbilical, ao ventre da terra”.
“O avião não é um fim, é um meio”.
“Fazemos um trabalho de homens e conhecemos preocupações de homens”.
“Não me arrependo de nada. Joguei, perdi. É a ordem em meu ofício. Mas, ainda assim, respirei o vento do mar”.
“As moçoilas, no frescor da juventude, na noite de seu primeiro amor, conhecem a mágoa e choram. A mágoa está ligada ao frêmito da vida”.
“Água, não tens nem gosto, nem cor, nem aroma, não podemos te definir, nós te provamos sem te conhecer. Não és necessária à vida, és a vida”.
“Tu és o Homem e apareces com o rosto de todos os homens ao mesmo tempo”.
Bibliografia
Saint-Exupéry : Œuvres complètes I, Bibliothèque de la Pléiade, Gallimard, 1994
Antoine de Saint-Exupéry : Terre des hommes, Gallimard, 1939
Gallica, bibliothèque numérique de la BnF, donne accès aux volumes numérisés de L’Intransigeant de 1880—1948https://gallica.bnf.fr/