Obras

Reportagens sobre a Guerra da Espanha (1936-1937)

As reportagens de Antoine de Saint-Exupéry sobre a guerra da Espanha são fruto de duas viagens realizadas entre 1936 e 1937. Em agosto de 1936, o jornal L’Intransigeant o enviou a Barcelona e publicou uma série de cinco artigos sobre o tema da Espanha ensanguentada. Em maio de 1937, foi o jornal Paris-Soir que o enviou a Madri, onde havia fracassado o assalto das tropas nacionalistas. Estas mudaram de estratégia e abandonaram a capital para ocuparem-se de outros bolsões de resistência republicana. Na cidade, a defesa se organizava em vista dos ataques iminentes. Saint-Exupéry foi ao front de Carabanchel, mantido pelos republicanos. Em seu retorno à França, o jornal publicou três artigos sobre Madri, em junho de 1937. O de 26 de junho de 1937 foi ilustrado com a fotografia “Morte de um soldado republicano”, de Robert Cappa, hoje símbolo da guerra da Espanha.

Nos artigos, Antoine de Saint-Exupéry não toma partido numa guerra civil cujas tramas não parecem lhe interessar. Embora tenha visitado um campo republicano, não se engajou no debate político. Essas experiências de repórter de guerra o levaram a interrogar suas sensações colhidas ao vivo e a nutrir um propósito moral. Diante da desumanidade da guerra, que transforma os indivíduos em massa, ele fica chocado com a lógica militar que sacrifica os homens sem motivo. E nota o heroísmo das pessoas comuns, que encontram sua natureza profunda ao se confrontarem com o risco de morte.

Resumo

“Espanha ensanguentada (1): em Barcelona, a invisível fronteira da guerra civil”, L’Intransigeant, 12 de agosto de 1936.

Saint-Exupéry voa para a Espanha. Vista do alto, nada fazia supor que em Figueras houvera lutas, execuções, saques de igrejas e que livros de orações tenham sido queimados. O avião sobrevoa Girona, depois Barcelona. Na cidade, que atravessa a pé, Saint-Exupéry vê as construções queimadas e centenas de mortos. Sentado no terraço de um café, assiste à prisão de um suposto fascista; ele seria fuzilado um pouco mais adiante.

“Espanha ensanguentada (2): costumes dos anarquistas e cenas de rua em Barcelona”, L’Intransigeant, 13 de agosto de 1936.

Os anarquistas dominavam a cidade. Desde que souberam do levante militar, esfaquearam os canhoneiros apoiados por metralhadoras. Uma vez conquistada a vitória, tomaram as armas e transformaram a cidade num fortim. Desconfiavam tanto do governo republicano quanto dos fascistas. Na maior confusão, um rapaz denunciou um fascista, que foi fuzilado. Soube-se que ele não o era de fato; então, fuzilaram também aquele que o denunciara.

“Espanha ensanguentada (3): uma guerra civil não é uma guerra, mas uma doença”,Intransigeant, 14 de agosto de 1936.

Numa estação de trem, tropas trocam de munição em silêncio. Eles não atacam na embriaguez da conquista, mas lutam surdamente contra um contágio: “Uma nova crença é como a peste. Ataca internamente”. Os anarquistas, os comunistas, os fascistas se parecem, vivem a mesma vida, na mesma cidade.

“Espanha ensanguentada (4): em busca da guerra”, Intransigeant, 16 de agosto de 1936.

Próximo ao front, a cidade de Lérida parecia calma. Mas os que esqueciam de fechar as persianas antes de acender a luz, veriam os vidros quebrados por um tiro que lembrava a ordem. A linha do front é tênue, não se sabe onde estão os rebeldes, quem controla o quê. Uma moça de Barcelona, comunista, veio lutar no front. Ela pretende estabelecer-se ali depois da guerra: a vida no campo lhe agrada. A cidade emfrente está tomada pelos inimigos. A verdadeira guerra não acontece ali, é o que ela pensa: “é ela a grande esperança e o grande inimigo”.

“Espanha ensanguentada (5): Fuzila-se aqui como se desmatassem… E os homens não se respeitam mais uns aos outros”, L’Intransigeant, 19 de agosto de 1936.

Saint-Exupéry chega a uma cidadezinha de montanha. Fascistas, o padre, sua empregada, o sacristão e os pequenos notáveis haviam sido fuzilados. Pépin, socialista francês encarregado de uma missão humanitária, tenta salvar compatriotas religiosos. Na estrada, ouve-se um fuzilamento, depois volta a calma. Pessoas são mortas, mas a vida continua no entorno. De volta a Barcelona, Saint-Exupéry passa ao lado de casas devastadas como cupinzeiros. Mas não somos cupins.

“Madri, defesa de Madri”, Paris-Soir, 27 de junho de 1937.

Conduzido por um tenente, Saint-Exupéry vai à linha de frente,à noite. A cada dois minutos, um obus passava acima de suas cabeças em direção a Madri, que mal se distinguia à luz da lua. À tarde, ele vira um daqueles obuses matar uma moça. As represálias eram absurdas, não havia interesse militar naqueles bombardeios. Ao contrário, a cada tiro de canhão, a resistência aumentava: “um ferreiro gigante forjava Madri”.

“Madri, a guerra no front de Carabanchel”, Paris-Soir, 28 de junho de 1937.

Saint-Exupéry e seu guia avançam para as primeiras linhas de Carabanchel. Preparava-se um ataque para a manhã seguinte, com esperança de ganhar umas 30 casas da cidade. Eles eram uma dezena a vigiar. Bebia-se, contavam-se histórias divertidas, jogava-se xadrez. Quando chegasse a hora, eles afivelariam seus cinturões “e se jogariam nas estrelas”.

“Madri, Help! Sargento!Por que partiste?” Paris-Soir, 3 de julho de 1937.

O ataque que teria feito recuar os canhões fora suspenso. Ao nascer do dia, a vida comum retomou. O sargento que devia partir primeiro, ainda dormia. Não sabia que o ataque havia sido suspenso. Ao despertar, ofereceram-lhe a vida, como a graça a um condenado à morte. Por que aquele homem aceitara morrer? Na provação, o homem escuta o chamado de uma verdade soberana. Aquele que descobriu o que é grande e transcendente em si, não tem mais medo de morrer. Se a vida for cheia de sentido, terá sido completa.

Citações

“Na guerra civil, o inimigo é interno, luta-se quase consigo mesmo”.

“É precisamente o milagre da espécie humana que não seja nem dor nem paixão, que não brilhe e não tenha uma importância universal”.

“A fronteira, na guerra civil, é invisível, e passa pelo coração do homem”.

“Uma guerra civil não é uma guerra, mas uma doença”.

“Uma crença nova assemelha-se a uma peste. Ataca internamente”.

“Cada indivíduo é um milagre”.

“Tudo continua em volta dos mortos”.

“Os acontecimentos humanos têm, sem dúvida, duas faces. Uma face de drama e uma face de indiferença. Tudo muda segundo se trate do indivíduo ou da espécie. Em suas migrações, em seus movimentos imperiosos, a espécie esquece seus mortos”.

“Mas a grandeza do homem não é feita apenas do destino da espécie. Cada indivíduo é um império”.

“Somos homens. Para nós não contam as leis do número e do espaço”.

“Madri parece um navio em alto mar. Madri, branca sobre as águas escuras da noite. Uma cidade dura mais do que os homens: Madri está cheia de emigrantes e os passa de um lado ao outro da vida. Ela navega, lenta, através dos séculos. Homens, mulheres, crianças a povoam com suas mansardas e porões. Eles têm esperança, resignados ou tremendo de medo, encerrados num corsário de pedra. Torpedeia-se um corsário cheio de mulheres e crianças. Querem afundar Madri como um navio”.

“Um bombardeio, pareceu-me, não dispersa: unifica. O horror faz cerrar os punhos e juntamo-nos no mesmo horror”.

“Eis que ele se livrou de seu casco, o senhor adormecido que abrigavas: o homem. Bruscamente descobriste, favorecido pela provação noturna, que te despojou de todo acessório, um personagem que vem de ti e que não conheces. Tu o descobres grande e não saberás esquecê-lo. E é tu mesmo”.

Bibliografia

Saint-Exupéry : Œuvres complètes I, Bibliothèque de la Pléiade, Gallimard, 1994
Olivier Odaert : Saint-Exupéry et l’Espagne ensanglantée : vers un engagement humaniste, dans Aden n° 7, octobre 2008, p. 267 à 283