Voo noturno (1931)
Escrito durante o período em que Saint-Exupéry viveu na Argentina, Voo noturno teve uma acolhida entusiástica dos leitores desde que saiu, em 1931. Aclamado pela crítica, recompensado por prêmios literários na França e nos EUA, o livro consagrou Antoine de Saint-Exupéry como dos maiores escritores de sua geração.
André Gide assinava o prefácio desse segundo romance editado pela Librarie Gallimard. Depois de ter ouvido Saint-Exupéry sobre suas aventuras na América do Sul, o célebre Gide se propôs a prefaciá-lo, destacando os temas principais do livro: a superação de si mesmo e o sentido do dever, numa época em que “se tratava, para as companhias de navegação aérea, de rivalizar com os outros meios de transporte”.
Para Saint-Exupéry, Voo noturno é principalmente um hino à noite, a noite que desperta lembranças e convida a uma profunda meditação, “a noite que inquieta”, “a noite difícil”, “a grande noite que os envolve”…
Uma vez mais Saint-Exupéry baseia-se em sua experiência para contar uma história.
Já na primeira página, o livro é dedicado a Didier Daurat, chefe da Companhia GénéraleAéropostale, que lhe inspirou o personagem Rivière, responsável pela linha. A história se desenvolve na América do Sul onde, em 1928, a Companhia inaugurou os voos noturnos. Para esses mesmos voos, Saint-Exupéry fizera uma formação em Brest, antes de ser nomeado por Didier Daurat como chefe da Aeroposta Argentina, em outubro de 1929. Naquele ano, a companhia estabeleceu uma linha Buenos Aires-Mendonza-Santiago do Chile, depois de ter superado a principal dificuldade: a travessia da Cordilheira dos Andes. É, inclusive, a cadeia de montanhas que serve de cenário ao romance.
O livro foi coroado com o Prêmio Femina e Saint-Exupéry teve o reconhecimento de seus pares. Traduzido em inglês como Night Flight, foi publicado em 1932 nos EUA e Reino Unido. A tradução foi eleita Book oftheMonth Clubalém-mar. Em 1933, a Metro Glodwyn Mayer adquire os direitos e produz uma adaptação para cinema que faz sucesso de público. Na França, em março de 1934, o filme permaneceu dez semanas em cartaz e tornou Saint-Exupéry conhecido por um público mais amplo que o dos livros.
Resumo
A Aéropostale, para encurtar o prazo de entrega do correio, inaugura os voos noturnos. Qualquer erro seria fatal; qualquer fraqueza, catastrófica. Não se tratava unicamente de melhorar os aparelhos e os instrumentos de bordo, mas de treinar os homens. A coragem é uma maneira de superar-se. A disciplina é um combate contra a desordem do mundo. Rivière, o responsável pela linha, é mais do que intransigente com seus homens. Foi ele quem impôs os voos noturnos e luta para mantê-los, apesar das dificuldades. Ele pede a seus pilotos que enfrentem as más condições atmosféricas para não atrasar o correio, mas principalmente para vencer o medo. Graças a ele, em 15.000 km, o culto ao correio supera tudo.
Fabien, o piloto, enfrenta a morte, não para encaminhar cartas, mas porque faz de seu dever um sentido da existência. A morte se torna vitória, mesmo se é paga com lágrimas e sofrimentos. O correio da Patagônia é ameaçado por temporais. Fabien não consegue contornar a massa de nuvens trespassada por raios. O aeroporto que ele acabara de deixar está debaixo da tempestade e nenhuma aterrissagem é possível. Fabien não consegue voltar atrás e precisa enfrentar a tempestade.
Em Buenos Aires, Rivière espera novidades. A ligação por rádio com os outros aeroportos é interrompida por causa do excesso de raios. Ele nada pode fazer, apenas esperar.
Perdido nas nuvens, o piloto acende o paraquedas iluminador* e descobre que está sobre o mar. Muda de direção para voltar a terra e envia uma mensagem a Buenos Aires informando suas dificuldades.
Em Buenos Aires, Rivière compreende que o avião está perdido. Ele pensa na mulher de Fabien, que acaba de chegar ali, justamente, preocupada. Ela se sente mal naquele universo onde a piedade não tem vez. Diante de Rivière, não está a mulher, mas um “outro sentido da vida”. Rivière sabe que o avião de Fabien já está sem combustível e que já não há esperanças. Mas se parasse um único avião, se aceitasse um só atraso, a causa dos voos noturnos estaria perdida. Tudo tem de continuar. Rivière ostenta sua “pesada vitória”.
*Trata-se de faróis do avião que permitem enxergar a distância; o termo técnico é “paraquedas iluminador”.
Citações
“Na vida, não há soluções. Há forças em movimento: é preciso criá-las. E as soluções virão”.
“Não pedimos para ser eternos, mas para não ver os atos e as coisas perderem subitamente o sentido”.
“Se a vida humana não tem preço, agimos sempre como se alguma coisa ultrapassasse, em valor, a vida humana…”
“O fim, talvez, nada justifique, mas a ação liberta da morte”.
“Ame aqueles que você comanda. Mas sem dizer-lhes”.
“O regulamento é semelhante ao rito de uma religião, que parece absurdo, mas molda os homens”.
“Também se é rico de suas misérias (…)”
“O homem é cera quente que deve endurecer”.
“Se as insônias de um músico o fazem compor belas obras, são belas insônias”.
“Dar um sentido ao silêncio sem preenchê-lo”.
“O responsável não é o homem, é como uma potência obscura que nunca se atinge sem tocar todo mundo”.
“Os homens são pobres coisas, e os criamos também. Ou os afastamos quando o mal passa por eles”.
“Amo todos esses homens, mas não são eles que combato. É o que se faz passar por eles”.
“A vida se contradiz tanto, a gente se vira como pode com a vida…!
“Para fazer-se amar, basta pedir”.
“É preciso forjar-se o homem para que seja útil”.
“A opinião pública, nós a governamos!”
“O que é vivo sacode tudo para viver e cria, para viver, suas próprias leis”.
“É a experiência que formará as leis… O conhecimento das leis jamais precederá a experiência”.
“Uma fissura na obra permitiu o drama, mas o drama mostra a fissura!”
“Os fracassos fortalecem os fortes”.
“Infelizmente, contra os homens joga-se um jogo no qual conta muito pouco o verdadeiro sentido das coisas”.
“Faz-se calar a emoção também nos navios em perigo”.
“Nem a ação nem a felicidade individual admitem o compartilhamento; estão em conflito”.
“O interesse geral é formado de interesses particulares; ele nada mais justifica”.
“O que persegues em ti mesmo, morre”.
“Cada segundo leva alguma coisa”.
“A ordem deve reinar mesmo na casa dos mortos”.
“Uma vez traçada a rota, já não se pode deixar de prosseguir”.
“Uma vitória enfraquece um povo, uma derrota faz despertar um outro”.
“Apenas conta o que está acontecendo”.
Bibliografia
Antoine de Saint-Exupéry : Vol de nuit, NRF Gallimard, France, 1931
Didier Daurat : Dans le vent des hélices, Seuil, Paris, 1956
Paul Jean-Marie Decendit : Les clefs de Vol de nuit, dans Icare n° 69, page 210, 1974
Gilbert Quenelle : Vol de nuit, Hachette, 1973
Luigi Dallapicola : Vol de nuit, Partitura de música para uma ópera, 1984