Apesar de todas as dificuldades e de alguns acidentes fatais, o obstinado industrial de Toulouse, Pierre-Georges Latécoère, prosseguiu seu intento. O que pareceu em 1918 muito arriscado se concretizara: o correio aéreo da França havia se prolongado até Dacar e São Luís do Senegal; os aviões atravessavam semanalmente os perigosos trechos entre a Europa e a África. Para Latécoère, era chegada a hora de investir na América latina. O ano era o de 1924.O pensamento imperialista do industrial francês – condizente com sua época – era baseado no colonialismo de então: os negócios entre a França e o Marrocos haviam triplicado entre 1909 e 1913, a França desejava fazer do Senegal uma facilidade para adentrar a África negra, e da Argélia um ponto de ligação para a África árabe. Para Latécoère, Dacar já representava um “porto” aberto rumo à América do sul…
Foi à maneira dos antigos conquistadores que os franceses se propuseram a implantar o correio aéreo no Novo Mundo. Se os antigos navegantes saíam em busca de novas terra com embarcações precárias no século XVI, os aviões do início do século 20 apresentavam, proporcionalmente, as mesmas debilidades das caravelas ou dos velhos navios. Se o motivo da empreitada já não era colonizar os países como outrora, tratava-se, do mesmo modo, de manter uma hegemonia econômica e cultural sobre as repúblicas nascentes da América do sul. Para isso, os franceses tinham um trunfo maior que a de seus concorrentes alemães ou italianos: o prestígio de seu país junto às sociedades recém-formadas do continente sul-americano.
O Brasil, maior país da região, demonstrava suficientemente esse traço. Desde sua colonização portuguesa, a sociedade brasileira se manifestara francófila e os exemplos só se multiplicaram através dos anos de formação da República nacional. Já o imperador D. Pedro II era aficionado por cultura francesa (teve por preceptor um Taunay) e escolheu a França quando de seu exílio. A República brasileira se proclamara calcada em ideais positivistas de Augusto Comte e consta da bandeira brasileira a premissa maior do filósofo francês: “Ordem e Progresso”. Até em Manaus e Belém, no curto e rico ciclo da borracha, a moda e os costumes se inspiravam em Paris. Não havia, em meio àquelas cidades fincadas na floresta, melhor demonstração de requinte do que os modos franceses… Era a “Belle Époque Amazônica”, com Belém dita a “Paris amazônica” e Manaus, a “Paris tropical”…
Os filhos da nascente aristocracia brasileira, de norte a sul do país, eram mandados estudar na França e, quando retornavam, estavam imbuídos de cultura europeia que eles iriam, por sua vez, difundir na terra natal. Até a década de 1960, a língua francesa fazia parte da grade curricular das escolas brasileiras.
Enviado pelo industrial, o mesmo Roig que explorara a costa africana com êxito, vem à América do Sul de junho a outubro de 1924. Entre as relevantes informações que ele arregimentou, estava a de que o governo brasileiro assinaria, naquele mesmo final de ano, uma lei regulamentando a navegação aérea no país e prevendo a criação de sociedades de direito brasileiro com participação estrangeira. Tal lei já tramitava havia dois anos…E os adiamentos não cessaram. Latécoère decidiu fazer um programa inverso àquele da África: voos antes das licenças e contratos. Ele enviou uma missão aérea com pilotos, mecânicos e três aviões Breguet XIV; estes vieram de navio e foram montados no Campo dos Afonsos. A partida aconteceu em 14 de janeiro de 1925, quando eles levantaram voo rumo a Buenos Aires. Essa chamada “Mission Roig” internamente entre os franceses seria, na verdade, um raide repleto de aventuras e descobertas que propiciou o surgimento da aviação civil no Brasil. Em meio à concorrência de alemães, americanos e italianos, os franceses implantaram a primeira ligação postal entre a velha Europa e a América do sul. Os “conquistadores” europeus estavam no Novo Mundo. De novo.