OS POEMAS ILUSTRADOS
Marie de Fonscolombe foi criada por seu pai no amor pela música, pelo canto e desenho. Ela insufla o mesmo gosto pelas belas artes em seus filhos. Antoine de Saint-Exupéry enche seus cadernos escolares de rabiscos, ilustra com aplicação seus poemas e acompanha suas cartas de caricaturas. Ao longo dos anos, esse modo de preencher tempos ociosos, de liberar o espírito ocupando as mãos, se torna hábito. Nos suportes mais inesperados, ele rabisca indolentemente, num canto da mesa ou na carlinga de seu avião. Quando criança, Antoine se aplica em ilustrar um bloco de contos curtos intitulado “L’Amusette”. Encadernado por costura pelo irmão e pelas irmãs de Antoine, o bloco é composto de sainetes que as crianças representam para os adultos.
Por volta dos 13 anos, Antoine compõe poemas que caligrafa e ilustra num papel desenho encadernado, como os que foram preciosamente conservados por Odette de Sinety, uma amiga de infância. A escrita é aplicada, os desenhos são a lápis e às vezes a tinta, realçados com lápis de cor ou aquarela. Um de seus poemas intitulado “Morte do Cisne” é introduzido por um desenho da ave num lago ao pôr do sol, executado com tinta azul e vermelha. Um outro desenho representa montanhas escarpadas de onde um caçador atira em cabritos desproporcionais.
Aos 19 anos, ele compõe uma antologia de cinco poemas “O Adeus”, num pequeno caderno que designa como “Meu livro de arte”. Na primeira página, realizou um autorretrato, com a mão cobrindo o rosto totalmente enegrecido por nanquim. Nas páginas seguintes, os poemas são cuidadosamente caligrafados e decorados. Ele incrementa a parte esquerda de cada um de seus poemas com um motivo clássico, como uma arcada gótica enfeitada de folhas de hera para o primeiro, ou o fantástico, como uma mão posta sobre uma porta entreaberta, para o quarto poema.
AS CARICATURAS
Na mesa de um café, em toalhas e guardanapos de papel dos restaurantes, Saint-Exupéry se diverte esboçando caricaturas nas cartas que endereça a seus amigos ou à família. Cômicas ou satíricas, essas caricaturas parodiam sua vida de representante comercial e as cenas da vida burguesa das províncias que trilha.
Ele faz caricaturas de suas irmãs Simone e Marie-Madeleine, colocando-as em cena às voltas com um soldado apaixonado, em 1918. Sua irmã Simone conta: “Meu irmão sempre rabiscou seus cadernos escolares e suas notas de estudante. Ele nos mandava cartas cobertas de desenhos que nem sempre satisfaziam os destinatários, pois eles apareciam em caricaturas pavorosas”.
Enquanto representante dos caminhões Saurer para a região Creuse, Cher e Allier, ele usou os papéis timbrados dos hotéis em que se hospedava para escrever a seus amigos. Escreveu a Henry de Ségone, que representa sob múltiplas facetas escalando uma montanha. Ele faz croqui da dona de um café em Linas-Monthléry, caras de provincianos, figuras com caretas… Nos cafés, faz muitas vezes caricaturas das pessoas sentadas nas mesas vizinhas. Assim, deixou furioso um marido, que estimou sua esposa muito desfigurada.
Ele hesita em representar-se a si mesmo em diferentes épocas em situações às vezes zombeteiras. Ele faz sua caricatura do momento em que, tentando escapar do colégio Bossuet, dá de cara com o inspetor, quando estava saindo de um bueiro. Retrat-se como estudante sem dinheiro nos anos 1920 ou “Pepino” com ares de diabrete em 1944.
OS RETRATOS
Paralelamente às caricaturas, Antoine de Saint-Exupéry desenha verdadeiros retratos em seus blocos ou folhas soltas. Desenha, segundo a natureza, seus camaradas de serviço militar no bloco de Casablanca. Com a prática, seus retratos, reais ou imaginários, são cada vez mais estilizados. Em alguns traços, traduz emoções, compõe caracteres, cria personagens. Pouco importa a técnica empregada, ele usa com a mesma habilidade a pena e a tinta, os lápis, a grafite, o pastel, guache, nanquim e aquarela.
Em 1920, Saint-Exupéry inscreveu-se na Escola de Belas Artes, mas não pretendia uma carreira de pintor, e sim uma formação em arquitetura, seção na qual se matriculou. No ano seguinte, efetuou seu serviço militar. Designado ao 37º regimento de aviação perto de Casablanca, desenha o dia inteiro. Compra blocos de croquis e desenha o que o cerca. Desenha a lápis de ponta de carvão, seus camaradas mecânicos e pilotos, adormecidos ou executando tarefas. Depois, legenda seus desenhos com tinta turquesa, acrescentando às vezes pequenos croquis.
“Eu descobri para que fui feito: o lápis Conté ponta de carvão”.
Nas cardas que envia a sua amiga Renée de Saussine de 1923 a 1931, usa lápis de cor azul e vermelho. Esboça personagens de pé ou bustos, com braços desproporcionais e rostos muito expressivos.
Nos anos 1930, ele desenha a lápis preto e também com lápis de cor azul ou vermelha, em folhas avulsas conservadas por Nelly de Vogüé. Representa personagens femininos, busto de jovem mulher de cabelos curtos, mulher de robe dançando, mulher nua de colar de pérolas. Ele desenha também homens de smoking, estilizados pelos motivos geométricos. Fixados em suas atitudes, esses personagens têm olhos redondos de olhar estranho, uma cruz na testa, sobrancelhas feitas num só traço.
Nas cartas a Léon Werht ou à amiga inventada, bonequinhos estão sobre a curva de um planeta, às vezes decorado de algumas flores. Um senhor alado empoleirado numa nuvem olha a terra onde se distinguem algumas árvores, casas e uma igreja. Esse pequeno personagem é às vezes a figuração de si mesmo, ao qual ele acrescenta um balão contendo mensagens. Desenhado a tinta preta e a lápis azul, um desses personagens já tem os traços do Pequeno Príncipe.
AS ALEGORIAS
Através do desenho, Antoine de Saint-Exupéry dá forma a seu imaginário. Ele encontra nesse modo de expressão, um meio de traduzir com justeza sentimentos, impressões, ideias e noções mais ou menos abstratas, talvez melhor do que o faça com palavras. Assim, ele cria um bestiário que povoa as faturas e as páginas de suas agendas. Toda uma flora se põe a crescer nas margens de seus manuscritos e em mapas de aviação.
Nas cartas aos amigos redigidas pelas estradas da França, ele representa “um cão desconfiado”, materializa a “proporção das horas consagradas às diversas ocupações”, traça o “símbolo da vida parisiense” e realiza “um lindo tapete de representante”.
Nos anos 1930, o espírito perpetuamente em efervescência imagina aperfeiçoamentos aos aparelhos aéreos e traça esquemas, desenhos técnicos que acompanharão as patentes de invenção: estudo de torpedos, estudo sobre a sustentação…
Na mesma época, plantas filiformes com uma for em estrela começam a guarnecer as páginas brancas. As páginas se cobrem de estrelas, sóis, e planetas com ou sem elipse, e também montanhas e aviões, gatos e cachorros e pequenos carneiros…
Em 1942, ele decide ilustrar pessoalmente a história extraordinária do Pequeno Príncipe, vindo de um planeta longínquo. Durante meses, ele se aplica a essa tarefa e desenha em folhas de papel que amassa e joga no chão quando não está satisfeito. Realiza numerosos desenhos, dos quais apenas alguns serão selecionados para a edição impressa do conto. É assim que cria a jiboia digerindo um elefante, os baobás cujas raízes encerram um planeta, a caixa do carneiro que dormiu… É assim que ele simboliza a vaidade, o desvario, o absurdo…
A MÚSICA QUE ELE TOCA
Antoine de Saint-Exupéry pertence a uma família provençal de músicos. Seu bisavô, Emmanuel de Fonscolombe era diretor do coral em Aix-en-Provence e compositor. Seu avô, Charles de Fonscolombe, inicia seus filhos do solfejo e no canto. Sua mãe perpetua essa tradição e manda vir duas vezes por semana no Castelo de Saint-Maurice, Anne-Marie Poncet. Filha do diretor da ópera de Lyon, a senhorita Poncet ensina música às crianças. Antoine faz violino sem ter o talento de seu irmão François. Suas irmãs estudam piano e canto.
Sob o bastão da professora, as crianças estudam os trechos e Shcumman, Schubert, Massent, Fauré e Reynaldo Han. Às vezes, eles cantam em coro sob a direção de sua mãe, melodias de Bach ou Gluck.
Quando chegou a Paris para preparar o concurso da Escola Naval, Antoine de Saint-Exupéry não abandonou a música. Sua prima Yvonne de Lestrange lhe toca peças de Chopin e ele diz “Que gênio esse Chopin!” Faz meia hora de violino por dia e progride: “ataco um por vez os Noturnos de Chopin. Sei um que é muito difícil e que toco bem. Um esplendor, o 18º”.
E vai mais longe: compõe. O trecho que acaba de fazer é “sufocante e lúgubre”, mas gosta. Até o dia em que abandona o violino. Às vezes, ele faz alguns acordes no piano, sem realmente tocar, diverte-se rolando laranjas no teclado para tirar sons aleatórios. Em 1921, em Rabat, gostava de estar na casa do capitão Priou, onde seus amigos tocam “desvairadamente”. Ele não se considera em condições de participar, mas tem prazer em escutar Marc Sabran, que toca no piano peças de Debussy e de Ravel.
Quando lhe acontece de cantar, Antoine de Saint-Exupéry tem um repertório menos ambicioso do que o que toca. Ele interpreta velhas canções populares com uma voz de barítono um pouco rude. Quando criança, aprendeu aquela velha canpção do século XVIII, “Aux marches du palais”. Esta lhe volta e persegue quando está perdido no deserto da Líbia depois de seu acidente em 1935-1936. No serviço militar, os soldados cantam La Madelon “em 200 tons diferentes, pois nenhum não é dado”.
A MÚSICA DE QUE ELE GOSTA
Antoine de Saint-Exupéry gosta de ouvir música. A “magnífica” música de um piano mecânico num bar de Alicante. Aquela dos discos que ouve em seu fonógrafo, velhas árias “doces demais, ternas demais”, que lhe trazem lembranças da infância, árias populares que lhe evocam “velhos baús”. Ele compra nos Estados Unidos uma pick-up de carregador automático que lhe permite ouvir em boas condições seus discos preferidos, sobretudo músicas antigas do Renascimento e dos séculos XVII e XVIII.
As novas músicas também lhe interessam. Ele leva consigo discos da ópera de Débussy, Péleas e Melisandra. Gosta de ouvir o famoso Sagração da Primavera, de Satravinski, que deu o que falar desde sua primeira execução em 1913. Interessa-se pelas composições dos jovens Georges Auric e Arthur Honegger, que cruza no café Deux Magots.
É curioso também pela música negra vinda da América, o jazz. Aprecia uma música tão insólita quanto aquela composta por Kurt Weill para a peça de Bertold Brecht, a Ópera de quatro tostões, espetáculo que assiste em companhia de seu primo André de Fonscolombe. Mas suas preferências são incontestavelmente para a música clássica e os compositores que ele prefere entre todos são Bach, Haendel e Mozart.
Em Paris, encontra um compositor de vanguarda, Luigi Dallapiccola, que lhe submete um livreto tirado de Voo noturno para uma ópera de um ato que está compondo. A estreia foi em 18 de maio de 1940 em Florença, na Itália. Mas Saint-Exupéry não pôde ir. Em 10 de maio a Alemanha bombardeou a Bélgica e ele precisou juntar-se à sua unidade, o grupo 2/33 no Marne.
E ADAPTAÇÕES
Antoine de Saint-Exupéry descobre o cinema alguns anos depois da aviação. Espectador exigente, é atento à estrutura da história e ao trabalho dos atores. Estima tanto o cinema, que exige seriedade e verossimilhança das obras de ficção. Não gosta de “sentimentos falsos, sem continuidade subterrânea”. O cinema, assim como a aviação, oferece um ângulo diferente de visão sobre o mundo. Essa forma de expressão o seduz e lhe abre novas perspectivas criativas e lucrativas.
Nos anos 1920, ele frequenta as salas parisienses para se distrair. Entusiasma-se pelo Peregrino que recomendou a seu amigo Charles Sallès. Charlie Chaplin tira seu personagem Carlito de Sing Sing, que se faz passar por um pastor protestante. Ele acha o filme memorável, “cômico e de uma sensibilidade muito fina”.
Em 1933, Voo noturno é adaptado para a tela pelo realizador americano Clarence Brown segundo roteiro de Olivier Garret. A história é beneficiada por uma distribuição de charme, Clark Gabe, John Brrymore, Robert Montgomery e Helen Hayes. O filme é um grande sucesso e contribui muito para a popularidade de Antoine de Saint-Exupéry nos Estados Unidos, na França e alhures.
Suas veleidades de roteirista se manifestam entre 1931 e 1936, período durante o qual escreve vários projetos de roteiros e participa da adaptação para cinema de alguns de seus livros.
Anne-Marie
Em 1935, Saint-Exupéry escreve o roteiro Anne Marie, uma jovem engenheira que sonha em aprender a voar, no meio de um grupo de camaradas pilotos, todos apaixonados por ela. No mesmo ano, Raymond Bernard realiza o filme. Annabela incarna o papel principal, arquétipo da jovem mulher moderna e sedutora em sua roupa de piloto.
Correio Sul
Em 1936, Saint-Exupéry redige uma sinopse de seu romance Correio sul que seduz o diretor Pierre Billon e os produtores Eduardo Corniglio-Molignier e André Aron. Eles lhe pedem que escreva o roteiro. Desde o fim do verão, Saint-Exupéry trabalha intensamente com Pierre Billon e Lustig, o adaptador alemão do romance. Françoise Giroud o assiste e datilografa todos os dias os textos que ele lhe envia. Em outubro de 1936, obtém o apoio da Air France que empresta à produção dois Laté 28 e põe à disposição o pessoal necessário à manutenção dos aparelhos. A filmagem das cenas africanas se faz na região do sul do Marrocos. Sempre que pode, Saint-Exupéry toma o lugar dos pilotos contratados para as cenas aéreas. O filme sai nas salas em março de 1937, distribuído pela Pan Ciné.
Terra dos homens
Em dezembro de 1940, Antoine de Saint-Exupéry encontra o diretor Jean Renoir no navio que o leva a Nova York. Durante a travessia, o escritor conta seu livro Terra dos homens. Assim que chega à Califórnia, onde mora, Jean Renoir lê Terra dos homens e propõe a Saint-Exupéry fazer um filme que espera ser o mais belo de sua vida. Saint-Exupéry grava suas ideias a respeito dessa adaptação, escolhe os capítulos que poderiam oferecer uma estrutura ao roteiro. Ele vai à Califórnia duas vezes em 1940 e em 1941, para trabalhar com Jean Renoir. Mas o filme nunca se realizará. A transcrição das gravações é publicada em 1999 sob o título Caro Jean Renoir (NRF, Gallimard). Um CD de áudio retoma em parte o conteúdo das gravações de Antoine de Saint-Exupéry à intenção de Jean Renoir em 1941.
OS CURTA-METRAGENS PUBLICITÁRIOS
A jovem companhia Air France pretende aproveitar dos sucessos literários de um antigo piloto para fazer-se conhecer e reforçar sua marca. Em 1934, contrata Antoine de Saint-Exupéry para seu serviço de publicidade (imprensa), então dirigido por Jean Chitry.
Fim de semana em Alger
Em abril de 1934, Antoine de Saint-Exupéry vai a Alger para a filmagem de um primeiro curta-metragem publicitário, “Fim de semana em Alger”. Jean Chitry e Alex Forestier garantem a realização. Alex Forrestier realiza as tomadas aéreas, em que especializado. Saint-Exupéry acompanha a equipe nos locais de filmagem, mas parece que sua contribuição foi sobretudo técnica.
Atlântico sul
Seu papel parece mais importante na elaboração, em 1936, de um segundo filme promocional: Atlântico sul. O filme marca a 100ª travessia do Atlântico sul em 20 de julho de 1936 e a Air France quer celebrar o evento. O nome de Saint-Exupéry não aparece nos créditos ao lado de Jean Chitry e de Félix Forestier. No entanto, ele participou ativamente da concepção e da realização. Foi quem instruiu Alex Forestier sobre o espírito da Linha, que este deveria passar em imagens. Félix Forestier chegou a dizer que “Saint-Ex é realmente o pai espiritual” do filme.