Patrimônio Imaterial

Testemunhos

Em Pelotas, recolhemos dois testemunhos muito emocionantes de famílias cujos pais viveram a história da Aéropostale. Primeiramente, o do senhor Luiz Felipe Tavares, que conta a história de seu pai. Seu testemunho foi publicado na revista História Catarina n. 63, pois seu pai, que era motorista dos antigos carros de aluguel, e 1929, teria encontrado várias vezes Saint-Exupéry.

Sou pelotense. Meu pai, Antônio Ernani Pinto da Silva, foi, em Pelotas, o primeiro funcionário brasileiro a trabalhar, quando estudante, na Latecoère, a empresa que foi implantar uma das etapas do Aéropostale. Era 1929 e meu pai tinha, então, 18 anos de idade. Meu pai era encarregado de levar os mecânicos e buscar, na pista de pouso, o piloto “Antoine” – que passaram a chamar de Zeperri. Eles usavam carros “de aluguel” (os táxis de hoje). Enquanto isso os mecânicos ficavam no hangar fazendo a manutenção dos aparelhos, trabalho que, às vezes, poderia levar até três dias. Como havia funcionários franceses, o piloto trazia-lhes queijos que ficavam “criando bicho” nas suas gavetas, para serem degustados como se fazia à época. O meu pai dizia que o cheiro era terrível (um grande chulé).

Como o Correio Sul ficou bastante tempo “no ar”, esta relação durou todo este tempo (creio que de 1929 a 1931). Ele (Saint-Exupéry) gostava muito de ficar em Pelotas e iam juntos aos famosos cabarés que existiam à época – Pelotas fazia parte do roteiro obrigatório das companhias de teatro estrangeiras e havia cabarés muito finos. Como ele era estrangeiro, de uma profissão romântica e aventureira fazia muito sucesso com as mulheres, embora muito feio. Meu pai não pagava a conta porque ele é que levava o piloto. Eles se tornaram muito amigos e meu pai sentia-se muito orgulhoso disto. Eu me criei ouvindo estas histórias, sempre repetidas. Tenho saudades delas.”

O segundo é da senhora Carmen Cynira, cuja mãe encontrou os pilotos na época.

Tudo isso me fez lembrar do relato de minha mãe, Marina Corrêa de Souza Otero (1911-2003), que a meu ver poderia confirmar a passagem de Saint-Exupéry em Pelotas. Num dia em que comentávamos sobre um de seus livros, ela me disse que tinha um amigo francês e este falava muito num piloto, chamado Mermoz, com quem tinha amizade também. Isso deve ter sido lá por 1930 ou 1931, época em que minha mãe era mocinha e ainda não namorava meu pai. Um dia o amigo francês contou que um grande amigo do Mermoz, também piloto, tinha tido um problema no avião e aterrissou em Pelotas e lá ficaria até que o avião fosse consertado. Então ele perguntou se poderia leva-lo à casa de minha avó. Minha mãe concordou e lá surgiram os dois, o amigo francês que morava em Pelotas e o amigo de Mermoz. Foram gentilmente recebidos com licor e ambrosia – disso eu me lembro bem porque perguntei o que tinham servido. Então eu disse à minha mãe que ela possivelmente tenha recebido o famoso escritor Saint-Exupéry, pois ele e Mermoz eram pilotos, colegas de trabalho e muito amigos. Perguntei como tinha sido a conversa e ela disse que, como não falava francês, o amigo dela tinha que servir de intérprete e ela não se lembrava de detalhes.”