Um ilustre viajante francês passou por Pelotas: Auguste de Saint-Hilaire, o naturalista que ficou seis anos no Brasil para realizar seus estudos de botânica. Saint-Hilaire chegou a Pelotas dia 5 de setembro de 1820 e partiu em 12 do mesmo mês. Depois dele, uma colônia francesa acabou pour se instalar na zona rural. Mais tarde, será a vez da mais célebre Colônia Francesa de Santo Antônio, situada na propriedade de Amadée Gustave Gastal, a quem se deve a criação dos pêssegos em calda da região. Na colônia, uma maioria de imigrantes da Provença se dedicou à produção das frutas cristalizadas e às compotas, o que contribuiu para a ulterior atribuição de nome de “cidade dos doces” a Pelotas. A colônia francesa de Santo Antônio é hoje um local de memória, onde um pequeno museu dos imigrantes convive com um monumento em homenagem aos 130 anos de sua fundação. Naturalmente, nesse ambiente, os protagonistas da Aéropostale devem ter sido bem acolhidos em Pelotas e puderam dar sequência à história francesa na cidade.
O pesquisador Leandro Betemps é autor de obras sobre a influência francesa na sua cidade natal e uma excelente fonte de informações sobre o tema.
Um pouco da França no sul do Brasil
por Leandro Ramos Betemps
Introdução
Este texto pretende apresentar de forma reduzida os principais momentos e as principais ações que os franceses realizaram em solo gaúcho. O estado do Rio Grande do Sul está localizado no sul do Brasil, por ter um clima mais temperado e por ter-se configurado num contexto de fronteira acabou atraindo diferentes etnias para suas terras, entre elas a etnia francesa. Quais foram os aspectos gerais da história da imigração e colonização francesa no Rio Grande do Sul e, particularmente, no município gaúcho de Pelotas? Quais as principais contribuições dos franceses para a formação do Rio Grande do Sul e de Pelotas? É o que pretendemos apresentar aqui de maneira condensada.
O início
O processo colonizatório do século XVI, as razões imigratórias advindas das guerras religiosas do século XVII e a Revolução Industrial do século XVIII podem indicar quais as principais razões para a imigração francesa para o Brasil. Se os números dessa imigração no Brasil não são expressivos, sua cultura foi o padrão que balizou as experiências brasileiras pelo século XIX até pelo menos a metade do século XX. Diversas áreas tiveram a presença francesa: educação, artes, investimentos financeiros, religião, política, arquitetura, imprensa, ação militar, indústria, meios de transporte ferroviário e portuário. E diversas regiões do Rio Grande do Sul acolheram franceses.
A França nunca foi um país de emigração e os que migravam buscavam ir para as grandes cidades francesas ou para as principais cidades europeias para depois de um tempo retornarem a suas cidades de origem. Mesmo assim mais de 230 mil franceses deixaram seu país entre os anos de 1851 e 1920. Entre as principais causas está o empobrecimento pela crise agrícola e vinícola ou pela redefinição de fronteiras com a Alemanha, Italia e Espanha.
Na América do Sul, o Uruguai foi o país que recebeu mais imigrantes franceses, sobretudo os bascos. Entre 1830-1842, havia 17 mil franceses em Montevidéu, sendo que os franceses eram a metade da população estrangeira e um quarto da população total da cidade. Muitos destes chegavam ao Uruguai e também Argentina e passavam ao Rio Grande do Sul.
Os números da imigração francesa no Brasil são parciais e indicam um número acima de 35 mil franceses até 1926. Embora a cultura francesa tenha sido a principal influência para o Brasil, também é possível indicar algumas colônias com franceses no Brasil:
Nome da Colônia | Município Atual | Estado Brasileiro | Datas |
Nova Friburgo | Nova Friburgo | Rio de Janeiro | 1818-1820 |
Novo Rio | Rio Novo do Sul | Espírito Santo | 1855 |
Saí | São Francisco do Sul | Santa Catarina | 1841 |
Pamital | Guaruva | Santa Catarina | 1842 |
Belga | Ilhota | Santa Catarina | 1845 |
Teresa Cristina | Cândido de Abreu | Paraná | 1847 |
Mucury | Mucurí | Minas Gerais | 1847 |
Dona Francisca | Joinville | Santa Catarina | 1851 |
Superagui | Guaraqueçaba | Paraná | 1852 |
Assungui | Cerro Azul | Paraná | 1860 |
Argelina | Curitiba | Paraná | 1869 |
Santa Cândida | Curitiba | Paraná | 1870 |
Orleáns | Curitiba | Paraná | 1870 |
Rivière | Curitiba | Paraná | 1870 |
Dom Pedro | Curitiba | Paraná | 1870 |
Santo Inácio | Curitiba | Paraná | 1870 |
América | Morretes | Paraná | 1875 |
As colônias francesas no Rio Grande do Sul
Em 1848 o Governo Imperial concede terras para províncias criarem colônias, apoiadas pela Lei Geral de Terras de 1850. Esta lei regulamenta a venda e a aquisição de terras aos colonos, extinguindo o acesso à terra por doação, como aconteceu com os alemães na colônia gaúcha de São Leopoldo em 1824. Foi com a regulamentação da Lei de 1854 que o Rio Grande do Sul estabeleceu suas diretrizes de colonização. Mas a colonização trazia muitas despesas e o governo provincial optou mais por auxiliar a colonização de iniciativa privada.
Muitos franceses se estabeleceram no Rio Grande do Sul. O francês François Montassier casa-se no ano de 1829 em Rio Grande. Em 1830, casa-se em Bagé, o único francês que recebeu título de nobreza no Brasil: Emile Louis Mallet, Barão de Itapevi e Patrono da Artilharia. Os franceses têm predileção por habitarem as cidades. Desta forma é possível encontrar grande número de franceses nos centros mais urbanizados da província: como Porto Alegre, Pelotas, Rio Grande, Santa Maria, Bagé, Santana do Livramento, Rio Pardo, São Borja, São Gabriel, Alegrete, Caçapava, Cachoeira do Sul, Camaquã, Itaqui, Jaguarão e Uruguaiana.
Uma pitoresca página da colonização no Rio Grande do Sul é a história da fundação do município gaúcho de Brochier por dois irmãos franceses Jean Honoré Brochier e Auguste Brochier vindos da cidade de Marselha em 1829. Três anos depois, os dois irmãos interessados em comercializar madeira para Porto Alegre, compraram terras na região do Vale do Rio Caí e povoaram a região a partir de 1848. Esse loteamento deu origem a uma cidade germânica no Rio Grande do Sul, a única fundada por franceses. O município foi criado em 11/04/1988 com o nome de “Brochier do Maratá”, quando se emancipou de Montenegro. Porém em 1992 ocorre o fracionamento com a emancipação do município de Maratá e Brochier ganha o nome atual.
As colônias no Rio Grande do Sul receberam poucos franceses. Não era uma característica desta etnia a imigração para as zonas agrárias e rurais. Mas alguns mapas estatísticos das colônias do Rio Grande do Sul apresentam uns poucos indivíduos:
Antiga Colônia | Município atual | Data de implantação |
Santa Maria de Soledade | Vários municípios ao redor dos municípios de Barão e Carlos Barbosa | 1854 |
Santo Ângelo | Santo Ângelo | 1855 |
Nova Petrópolis | Nova Petrópolis | 1857 |
Dona Isabel e Conde d’Eu | Bento Gonçalves e Garibaldi | 1870 |
São Feliciano | Dom Feliciano | 1873 |
Santo Antônio | Pelotas | 1880 |
Philippson | Itaara | 1904 |
O município de Pelotas foi pólo atrativo de estrangeiros. No século XIX, ali ocorreram iniciativas de colonização em meio a uma região onde o uso de terras era privilegiado para a pecuária extensiva. A riqueza charqueadora e a especulação comercial de colônias acabaram por configurar um perfil econômico, cultural e social bastante diferenciado de outros municípios da região sul que atraiu vários europeus, principalmente franceses chegados a partir de 1812. A influência cultural da França em Pelotas foi notável durante o século XIX. A França era o parâmetro para todas as atividades sociais e os franceses moradores em Pelotas influenciaram em diversas áreas.
Mas foi a Colônia Santo Antônio, chamada Francesa, no interior do município de Pelotas, que manteve viva a memória da influência dessa etnia no Rio Grande do Sul. Criada por iniciativa privada em 1880, a Colônia Francesa do município de Pelotas recebeu as famílias que partiram da colônia São Feliciano deixando suas terras para os poloneses ocuparem. O município de Pelotas tem a única colônia agrícola com franceses no Rio Grande do Sul que manteve sua identidade étnica presente. Os outros núcleos foram diluídos em meio a forte presença de outras etnias mais numerosas.
Os colonos franceses que viviam em São Feliciano passavam por muitas dificuldades e por não verem nenhuma perspectiva de mudança imediata buscaram se mudar para outras terras. Assim, em fins de 1879 chegaram a Pelotas, pois sabiam existir ali um solo de boa qualidade e um bom mercado consumidor para seus produtos. A Colônia foi fundada em 20/09/1880 quando pela primeira vez foram desmatadas as terras para fazerem lavouras. Os franceses logo começam a organizar suas lavouras, vinhedos e pomares.
As famílias presentes na Colônia Francesa de Pelotas foram: Arbes, Argout, Beauvalet, Bertholon, Betemps, Bichet, Capdeboscq, Carret, Charnaud, Charrois, Chollet, Choreux, Claverie, Colomby, Conte, Cousen, Crochemore, Ebersol, Escallier, Fouchy, Frechou, Gaume, Gerard, Giroux, Guiot, Jacquôt, Jouglard, Lahude, Lardot, Laurant, Leroy, Lesauvage, L’homme, Lonchamp, Luvier, Magallon, Martin, Ney, Palavet, Petit, Raffy, Ribes, Steinle, Tourin, Vacher, Vannuer, Wahast.
A cultura do pêssego dominou as produções dos franceses e se espalhou pelas outras colônias. Pelotas, a ‘Capital Nacional do Doce’, com certeza deve aos franceses um pouco dessa história. Se o doce caseiro veio pela imigração portuguesa, deve-se aos franceses a fabricação artesanal das compotas. Sendo a primeira compota feita em Pelotas por Amadeu Gastal em 1878. A região constituiu-se na maior produtora de pêssego do Brasil e chegou a representar um grande complexo agroindustrial de doces e conservas vegetais do país.
Os franceses legaram para Pelotas as primeiras indústrias alimentícias que trouxeram a fama de Capital do Doce. O turismo ainda incipiente poderá auxiliar na divulgação da história das famílias francesas e desta parte da história de Pelotas. O vinho, os doces e as conservas artesanais e o obelisco, erguido pelos franceses em 1930, são bens culturais que fazem parte do patrimônio cultural de todo pelotense, seja ele descendente de francês ou não. Para lembrar essa contribuição para a formação do pelotense, ou mesmo do brasileiro do sul do Brasil, em 2007, foi criado o Museu da Colônia Francesa, na localidade de Vila Nova, a 35 km de Pelotas. Um lugar para a memória da presença e da contribuição francesa no sul do Brasil.