‘Insustentável na terra, divina no ar’

Adrienne Bolland (1895-1975)
Adrienne Bolland (1895-1975)

A história de outra francesa de espírito forte e aventureiro começa quando sua família enfrenta grave crise financeira devido à morte do patriarca (de origem belga) e a filha caçula de sete irmãos decide se tornar piloto de avião.

Como em casa era chamada desde menina de “pequeno terror”, a irredutível e obstinada Adrienne Bolland enfrenta a oposição familiar e depois de pouco mais de dois meses de treinamento, faz jus ao brevê na Société des Avions Caudron – fábrica de aviões que se tornara famosa pelo desenvolvimento de aeronaves de alto desempenho no início da Primeira Grande Guerra. Foi também naquele ano de 1920 que Caudron a contratou como piloto de ensaio, o que fazia dela a primeira mulher a exercer tal função.

Se a expressão ‘batismo do ar’ na aviação significa o primeiro voo realizado pelos iniciantes, a carreira de piloto para a jovem Bolland – então com 24 anos – representava mesmo vida nova.

Em 1920, apenas sete meses após obter o brevê, ela se torna a primeira francesa a fazer a travessia pelo ar do Canal da Mancha entre a França e a Inglaterra (a americana Harriet Quimby o fizera em sentido inverso, em 1912). A Caudron, interessada em expandir os negócios na América Latina, aproveita o momento de glória e envia Bolland e dois modelos G3 desmontados para voos de demonstração na Argentina; mas ela já tinha em mente o desafio de cruzar a Cordilheira dos Andes até o Chile.

Tal voo era considerado suicida porque a cordilheira de 400 km de largura tem picos como o Aconcágua, de 6.969 metros, bem mais altos do que o avião de estrutura frágil e de limitada potência podia alcançar – no máximo 4.500 metros.

Além de viajar sem mapas nem bússola, o traje de voo era inapropriado para enfrentar o ar gelado naquela altitude num avião sem para-brisas, – fato que provocaria a explosão dos vasos sanguíneos do nariz e da boca.

Contra todos os prognósticos negativos, quatro horas e quinze minutos depois de decolar da cidade argentina de Mendoza, Bolland aterrissa em Santiago, a capital chilena, no dia 1º de abril de 1921. O feito épico era tão inacreditável, que à celebração preparada após a chegada, não compareceu o cônsul francês, pois ele pensara que se tratava de uma piada do chamado “Dia da Mentira”.

Até hoje, o relato dessa viagem causa espanto e se torna ainda mais impressionante por declarações posteriores da própria Bolland. Ela afirmou ter recebido orientações de uma vidente na véspera da decolagem sobre uma decisão crucial que realmente foi obrigada a tomar para o desfecho feliz do voo – ato mais baseado na intuição do que na razão.

De volta à França, Bolland participa de acrobacias aéreas, alcançando, em 1923, o recorde de looping feminino, com 212 voltas no ar em 72 min. Em 1930, ela se casa com um aviador e participa ativamente do movimento pelos direitos de voto das mulheres ao lado de outras aviadoras famosas como Maryse Bastié e Hélène Boucher.

Ainda nessa mesma década, Adrienne Bolland sobrevive a um grave acidente aéreo, sofrendo apenas alguns hematomas. Há indícios de que o avião fora sabotado por opositores ao ativismo político da aviadora.

Durante a Segunda Grande Guerra (1939-1945), ela se engaja juntamente com o marido na Resistência francesa contra a invasão alemã. No pós-guerra, ela seguiu como ativista. Bolland morreu em Paris em 1975.

Insustentável na terra, divina no ar’ – é assim que muitos dos que conviveram com Bolland a definem por seu espírito rebelde e sua tenacidade em várias passagens durante os 80 anos de sua vida. Mas aquela que a própria família considerava uma “enfant terrible”, certa vez sentenciou sobre si mesma: “Nunca desisto! Isso me ajudou muito na vida!

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